Sinto que não posso escrever sobre o sr. Tavares (que lança no fim do mês o mais recente romance, "Rio das Flores") porque ele colocou-me um processo em tribunal por causa de um artigo que escrevi para a "Focus" sobre a questão de plágio do "Equador" e que também aborda este blogue. Por isso, aqui fica o sr. Tavares através das palavras do próprio sr. Tavares na entrevista de hoje ao "Expresso" com o título
"Finalmente estou a tornar-me um escritor".
"Gostei imenso do primeiro título, que era 'Uma Vida Inteira'. Tinha-o registado e quando já estava adquirido descobrimos que o Miguel Esteves Cardoso escreveu um romance há dez anos chamado 'A Vida Inteira'".
" - Foi a todos os sítios que estão no livro?
- Não fui a Berlim, em 1936. Adorava ter ido. Faz-me lembrar uma coisa que o Chico Buarque me disse uma vez. Estava a falar-lhe do Budapeste, que achava extraordinário como alguém conseguia escrever sobre uma cidade onde nunca esteve. Disse-lhe que para escrever sobre um sítio tenho de lá ter estado. E ele respondeu assim: 'Engraçado, você esteve em África em 1900 para escrever Equador' (risos)".
"Há uma passagem no livro em que conto que na primeira noite que o Diogo dorme numa fazenda, ele está de janela aberta e vê-se um bocado de Lua, até que há um pássaro que pousa no parapeito. Isso aconteceu-me realmente. E achei fascinante estar a adormecer a ver a Lua através da janela, com um pássaro a parar e olhar para dentro do quarto como que a dizer: quem és tu"?
" - O protagonista do livro, Diogo Flores, tem também essa sua necessidade. Andámos à procura do Miguel Sousa Tavares na personagem principal.
- Se procuraram, não é nenhum elogio. Eu comecei por querer que o Diogo fosse uma personagem simpática e no fim do livro não gosto dele.
- E, portanto, não se revê nessa atitude?
- Não, não me revejo (risos). Por isso é que estava a dizer que, se o quiserem comparar comigo, não é nenhum elogio. Digamos que o Diogo é uma personagem que começou bem mas que cresceu mal ao longo da história. Se tivermos em conta que o tinha projectado para ser uma personagem simpática e atraente, acho que sim. Tudo esmiuçado, ele não é um grande
caracter, como dizem os ingleses".
(Esta é sobre o Euro 2004 e concordo a 100 por cento!)
"- Mas achou que havia um aproveitamento e um sentimento demasiado nacionalista?
- Em termos colectivo, havia. Eu, que escrevo no jornal A Bola todas as semanas, como não alinhei nisso, às tantas já era anti-patriota. Porque dizia que não percebia porque de repente andávamos todos de bandeirinha à janela de casa e no carro. Era uma coisa ridícula. Amar a pátria não tem nada a ver com isso. Começa, por exemplo, por pagar os impostos. Gostava de saber quantos dos que andaram de bandeirinha pagaram os todos os seus impostos".
(Contudo, depois desta, temo o pior...)
" - Mas qual é a sua rotina de escrita?
- Só não escrevi aos fins-de-semana. Começo a escrever a seguir ao almoço e depois vai até parar. Às vezes pára às cinco da manhã. Isso significa que janto num quarto de hora e apenas vejo os telejornais, por dever de ofício. Mas escrevo devagar. Posso estar ali dez horas e escrever uma página. Pode acontecer-me o contrário, mas nunca consigo escrever mais do que 12 por dia. É o meu limite absoluto. Não consigo. Depois, quando é um livro baseado em documentação, como este, a escrita é muito mais lenta, porque tenho de tomar notas de tudo o que li. Tenho de ter essas notas ao lado do meu computador e estou constantemente a lá ir. Para datas, locais, nomes. Se for uma cena puramente romanceada, que não tenha suporte documental nenhum, é mais rápido, sobretudo se eu tiver pensado nela antes. Acredito naquela máxima do Picasso: 'Espero que quando a inspiração chegar me encontre acordado'".
"Se eu quiser vender meio milhão de exemplares amanhã, sei o que faço. Palavra que sei.
- O que é que faz?
- É fácil de imaginar. Faço uma literatura light e erótica, melhor do que a que existe. E vendo meio milhão de exemplares tranquilamente".
" - O próprio primeiro-ministro tentou convencê-lo a ir para a RTP?
- O próprio primeiro-ministro. Um convite para director-geral da RTP. E eu dei-lhe uma resposta que, passados uns anos, o Sócrates, já como primeiro-ministro, me fez recordar: 'Eu faço as três coisas que mais gosto na vida, ler, escrever e pensar e ainda me pagam bem por isso. Porque é que eu hei-de ir para a RTP?' E ele diz que ficou com uma inveja profunda e o Guterres também, que lhe terá dito: 'Nem vale a pena pedir-lhe para pensar oito dias'".
" - Está preparado para a crítica do Vasco Pulido Valente?
- O Vasco Pulido Valente arrasou o Equador sem o ter lido. Dizia que era exotismo, culinária e erotismo. E, passados uns tempos, estive com um amigo comum que me disse: 'Sabes que o Vasco não tinha lido o teu livro e eu insisti, 'ó Vasco, mas lê o livro' e o Vasco, 'não, é uma merda''. Até que um dia ele disse que o livro até não era mau. Foi-me contado assim e eu acredito na fonte. Eu sou grande admirador do Vasco. Costumo dizer a brincar que, de facto, só há duas coisas que precisavam ser subsidiadas no país: a agricultura e o Vasco Pulido Valente. A agricultura porque, se não, o país desequilibra-se e tombamos ao mar; e o Vasco Pulido Valente porque aquele pessimismo é necessário. A mim faz-me falta. Eu leio o Vasco e digo: 'Também não é assim tão mau!' (risos) Com o seu pessimismo militante, o Vasco contribui para o optimismo de muita gente. Ele escreve maravilhosamente, tem talento e é engraçadíssimo. Agora, só conhece dois países no mundo: Oxford e o Gambrinus. Acho pouco".
Etiquetas: e o processo que ele meteu contra este blog..., Expresso, Miguel Sousa Tavares