O semanário
"O Diabo" publica hoje uma crónica de minha autoria sobre o mais recente encontro do Clube Bilderberg. Vale a pena comprar a edição em papel e guardar. Entretanto, fica aqui a versão integral do texto:
Ao encontro de Bilderberg
Frederico Duarte Carvalho
em Sitges, Barcelona
Os “senhores do mundo” reuniram-se no início deste mês em Sitges, perto de Barcelona. Este é o relato de quem lá foi e ficou à porta
Agora já posso dizer que estive num encontro do Clube de Bilderberg. Pelo menos, até onde me deixaram ir: até junto do apertado cordão de segurança policial. Ao fim de quase 10 anos a escrever sobre este clube restrito, onde apenas os políticos convidados têm assento junto dos grandes empresários multinacionais, tive finalmente a oportunidade de me aproximar: o encontro deste ano teve lugar em Sitges, perto de Barcelona, aqui mesmo ao lado.
Em
1999 a reunião foi em Sintra, mas confesso que, nessa altura, ainda não estava suficientemente familiarizado com a importância destes encontros. Para mim, não havia mal nenhum no facto de um grupo de políticos se reunir com alguns empresários. Afinal, é esse o trabalho de cada um. Na era moderna chama-se a isso “lobby” ou “grupos de pressão” e são perfeitamente legais e regulamentados.
Contudo, comecei a suspeitar de que talvez houvesse alguma razão nos protestos daqueles que desconfiavam desses encontros. E por uma única razão: eram à porta fechada, sem o devido escrutínio posterior na Comunicação Social e também sem direito a uma conferência de Imprensa no final. Aí comecei a torcer o nariz, pois pareceu-me – como jornalista que sou – que havia nesta atitude algo que não estava de acordo com o que é transparente.
“A privacidade destes encontros não tem outra intenção senão a possibilidade dos seus intervenientes poderem falar abertamente e com franqueza”, explica-se num recente endereço electrónico “oficial” da organização criada em 1954 no hotel Bilderberg, na Holanda -
http://bilderbergmeetings.org. Por esta ordem de ideias, confirma-se que quer políticos, quer empresários, não são francos nem honestos quando falam em público. E como também afirmam que não há lugar a um comunicado de Imprensa ou declarações à saída que os vinculem a decisões, nem sequer vale a pena aos jornalistas lá aparecerem a bater à porta. Também se diz que, como há patrões da Imprensa presentes nestes encontros, não faz sentido pensarmos que os membros do Clube Bilderberg estejam a preparar uma conspiração terrível contra a humanidade – uma das teorias defende, por exemplo, que os membros do Clube trabalham no sentido de criarem condições a uma redução drástica da população mundial, pois os recursos naturais estão a chegar ao fim. Entre os donos de órgãos de Comunicação Social mais próximos de nós que estão sempre presentes nestes encontros, destacam-se o
ex-primeiro-ministro português Pinto Balsemão, dono da SIC...
... e o seu compadre espanhol Juan Luis Cébrian, actualmente dono da TVI. Mas, a nível internacional, também há quem represente o diário norte-americano “Washington Post” e a influente revista de economia internacional “The Economist”. Estranhamente, algo me diz que, ainda assim, deveria estar realmente preocupado com o conteúdo das conversas e das amizades forjadas em Bilderberg. Acho até que teria bem mais interesse conhecer as suas conversas do que as escutas entre Armando Vara e José Sócrates.
Quem não tenha participado activamente nos encontros não pode dizer com a certeza absoluta o que se passou lá dentro, pois os intervenientes estão proibidos de falar publicamente sobre os assuntos em debate. É uma regra do clube. Não é que as reuniões ou os encontros sejam “secretos”, pois por definição só é secreto aquilo que não se sabe que existe. E Bilderberg, sabe-se, existe mesmo. Há, inclusive, jornalistas que escrevem livros e alimentam blogues com informações que, alegadamente, saem de lá de dentro.
Um desses jornalistas é um conhecido meu. Jantei com ele uma vez no Porto e chama-se
Daniel Estulin, filho de um agente secreto russo, cidadão canadiano a viver há anos em Espanha. É autor de vários livros – dois editados entre nós – e publicou recentemente uma ficção, “Conspiração Polvo”: “Diz-se que os membros do Clube Bilderberg querem criar uma Nova Ordem Mundial. Não é verdade. O que eles pretendem é a criação de um Governo Mundial Único”, afirma Estulin. E ele costuma estar certo em muitas coisas. Foi ele que me disse que o petróleo iria subir para os 150 dólares o barril numa altura em que andava perto dos 40 dólares. Quando a crise rebentou,
ouvi um director de um reputado jornal de economia nacional que até poderia chegar aos 200 dólares. Mas, garante Estulin, são tudo medidas “fictícias”. Destinadas a manter-nos na crise, enquanto os membros do grupo Bilderberg ganham cada vez mais poder. E Estulin também lá estava, como eu, a assistir ao encontro, numa rotunda, à torreira do sol, atrás do cordão policial montado na via de acesso ao hotel Dolce, onde durante quatro dias – entre 3 e 6 de Junho – se reuniram os cerca de 120 membros do clube.
Juntaram-se ainda uma série de jornalistas e activistas anti-globalização, que iam desde o Reino Unido, Espanha, Suíça, Alemanha, Rússia, EUA e Roménia. Em comum, um propósito: confirmar quem iria participar na reunião e fotografá-los à entrada ou à saída, no interior dos carros de alta cilindrada em que se faziam transportar – alguns identificados com uma misteriosa letra “K”, talvez em honra de um dos mais altos impulsionadores destes encontros, o ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger.
Paulo Rangel, o eurodeputado do PSD e ex-candidato a líder dos sociais-democratas, também esteve lá, fechado no hotel, sem poder vir beber um copo num bar local – isto por razões de segurança. Só não se percebe se por haver a ameaça real de alguém querer fazer-lhe mal ou se para evitar que ele fizesse mal a alguém. A única
confissão que Rangel acabaria por fazer (ao diário “i”) sobre o encontro foi a de que ficou positivamente “impressionado” por ter almoçado ao lado de Kissinger, pessoa que agora considera “brilhante”.
Não sabemos, entretanto, se Rangel teve a oportunidade de perguntar a Kissinger o que realmente veio ele fazer a Portugal a 2 de Outubro de 1980. Conforme contou na sua autobiografia o coronel Hugo Rocha – ex-chefe de Gabinete do então ministro da Defesa, Amaro da Costa –, o norte-americano teria vindo falar secretamente com o nosso governante sobre a venda de armas de Portugal ao Irão. Dois meses depois acontecia Camarate, e ainda hoje subsistem suspeitas de que, a ter havido atentado, um dos prováveis motivos seria precisamente a investigação de Amaro da Costa ao tráfico de armas para o Irão.
Teria sido, assim, uma boa oportunidade para Rangel conhecer a opinião de Kissinger sobre o assunto. Tanto mais que em Camarate, caso Rangel não se recorde – é jovem – também morreu Sá Carneiro, então primeiro-ministro e líder do PSD, cargo ao qual Rangel se candidatou recentemente, tendo perdido para Pedro Passos Coelho.
Sitges, a 35 quilómetros de Barcelona é uma simpática cidade costeira. De raízes piscatórias, é hoje mais conhecida como capital do turismo “gay” em Espanha. Foi ali que, alegadamente, se debateu o futuro do Euro. Irá a moeda única sobreviver à crise grega ou iremos todos ser arrastados no caminho? E Portugal no meio disto? O nosso ministro das Finanças esteve lá. Teixeira dos Santos até faltou ao debate quinzenal na Assembleia da República e fechou-se no hotel Dolce. Mas a fazer o quê? Ele não nos pode dizer, pois são as regras do clube – isto apesar de ser funcionário público e a Constituição portuguesa defender que temos direito a ser informados sobre a gestão do Governo.
Ficou para a história do encontro o momento em que o ministro de Estado e das Finanças de Portugal saiu do encontro com cara de poucos amigos ao ver que estava a ser fotografado. Ficou também a ideia de que, afinal, não será lá muito bom para a Democracia, especialmente numa altura de crise financeira, vermos um ministro das Finanças participar em encontros com empresários privados, à porta fechada, durante três dias, e sem direito a declarações à Imprensa. Irá algum país sair momentaneamente do Euro até resolver a sua dívida? Irá haver uma invasão do Irão? São alguns dos temas, supostamente, discutidos entre aquelas quatro paredes.
Especulou-se durante o encontro, na rotunda à torreira do sol, que Durão Barroso também estaria presente no encontro de Sitges. Mas, até ao momento, não há imagens que o confirmem, nem a lista “oficial” alude à sua presença. Sabemos, isso sim, que Barroso esteve na reunião de 2003, em Versalhes –
Ferro Rodrigues declarou no DIAP que esteve nesse encontro e falou aí com Barroso sobre o processo Casa Pia. No ano seguinte, em 2004, Portugal sentiu de forma bem visível aquilo que, até então, apenas se especulava sobre o real poder do Grupo Bilderberg: a capacidade dos convidados políticos serem literalmente “catapultados” para altos cargos públicos após a participação nestas reuniões fechadas à Imprensa e onde se pode falar “abertamente e com franqueza”.
Há
registos fotográficos e testemunhos oficiais que os dois políticos portugueses convidados para o encontro de 2004, em Stresa, Itália, foram o então presidente da Câmara de Lisboa, Pedro Santana Lopes, e o ex-ministro do Ambiente e então deputado socialista, o actual primeiro-ministro José Sócrates. O encontro teve igualmente lugar nos primeiros dias de Junho, numa altura em que, publicamente, ainda não se sabia quem poderia vir a suceder ao italiano Romano Prodi na presidência da Comissão Europeia. O nosso primeiro-ministro Durão Barroso apoiava publicamente a candidatura do comissário europeu português, o socialista António Vitorino. E conta Santana Lopes no livro “Percepções e Realidade” (pág. 41): “Lembro-me que, por essa altura, participei nos encontros de Bilderberg onde estava António Vitorino. Sabendo que eu pertencia à direcção do Partido no Governo português, as pessoas sondavam-me sobre a hipótese de Vitorino ir para a Comissão. Tive então ocasião de transmitir o apoio de Durão Barroso e do Governo português a essa candidatura, mas parecia claro que o presidente da nova Comissão Europeia tinha de ser do PPE, Partido Popular Europeu (centro-direita). Assim aconteceu”. Barroso foi o “escolhido”. Ora, soube-se no Natal passado,
Durão Barroso almoçou em Lisboa, uma semana antes da reunião de Bilderberg, com o presidente do PPE, o ex-primeiro-ministro belga Wilfred Marteens. Foi no dia seguinte ao XXV congresso do PSD – em Oliveira de Azeméis -, onde Barroso garantira no discurso final que apoiava a candidatura de Vitorino. Mas, conforme escreveu o belga nas suas memórias, Barroso disse-lhe que, se não fosse possível a solução Vitorino, ele próprio estaria disponível a aceitar o cargo – apesar de estar a meio do mandato como primeiro-ministro de Portugal. Contudo, pedia segredo. Ora, se Santana Lopes não sabia disto quando esteve em Bilderberg – e ninguém falou com ele “abertamente e com franqueza” sobre essa possibilidade -, isso significava que Santana era carta fora do baralho. Calhou depois a fava do Governo a José Sócrates – que, primeiro, teve de esperar pela demissão de Ferro Rodrigues e consequente eleição a secretário-geral do PS para, finalmente, poder chegar a primeiro-ministro com maioria absoluta. Quanto a Vitorino, logo se verá, pois não há lugar para todos. No entanto, também não me parece que ele hoje esteja mal na vida.
As reuniões do Clube Bilderberg têm assim o condão de, ò coisa bonita!, aproximar pessoas de países e culturas tão díspares num propósito comum: a procura do bem para todos nós. Pelo menos assim o esperamos. Ficámos preocupados apenas quando vemos o actual presidente do clube, o belga Étienne Davignon, a afirmar:
"Quando as pessoas dizem que isto é um governo mundial secreto, respondo que se fossemos o governo mundial secreto deveríamos estar cheios de vergonha de nós próprios". Ou seja, eles afinal não mandam mesmo em nada e, ainda assim, são uma vergonha, pois o mundo está a assistir à desintegração do sistema financeiro mundial ao mesmo tempo que quem poderia fazer a mudança – os políticos eleitos democraticamente - preferem reunir-se à porta fechada com quem vive à custa da crise do que ir ao Parlamento nacional debater as soluções. Mas, agora, o que interessa isso quando temos a Vuvuzela para podermos ir puxar pela Selecção?
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