20140906

A pluma de Bilderberg

Clara Ferreira Alves assina hoje uma crónica no "Expresso" intitulada “Por um exército europeu”. Defende que a Europa “precisa de uma força militar. Um exército europeu, exactamente. Precisa de Forças Especiais europeias em vez de nacionais”. A cronista da “Pluma caprichosa”, que não precisa de ter carteira profissional de jornalista para assinar entrevistas no mesmo “Expresso” – como as que fez a José Sócrates, Carlos Cruz e a que faz hoje a Fernando Ulrich – ou reportagens – como a aquela recente em Detroit, (não é verdade, Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas?) – foi uma das convidadas dos encontros do Grupo Bilderberg (2011, na Suíça). É importante referir isto para perceber os argumentos usados pela pluma da cronista. “Henry Kissinger, o velho sapo, emergiu das brumas para dar opinião sobre a ordem mundial”, é assim que começa a crónica. Os caprichos desta vida levam-nos assim a constatar que as reuniões do Grupo Bilderberg são assistidas e promovidas pelo “velho sapo” e por alguns dos seus amigos, entre os quais se encontra o Dr. Balsemão, o homem que é dono do "Expresso", convidou Clara Ferreira Alves para o encontro na Suíça e paga-lhe as crónicas, entrevistas e reportagens – sem esquecer a presença semanal no programa “Eixo do Mal”, na SIC. Então, essa mesma Clara Ferreira Alves que nunca escreveu uma linha sobre o encontro de Bilderberg onde supostamente esteve com Henry Kissinger, o que nos diz ainda sobre o amigo do patrão? Mimoseia-o apenas como aquela do “velho sapo” e fica-se por aí? Não. Vai mais longe. Muito mais longe. Escreveu: “Quando o velho sapo fala fico arrepiada, mesmo que lhe aprecie a inteligência e a lucidez. O velho sapo tem um passado terrível, como o grande Christopher Hitchens escreveu em ‘The Trial of Henry Kissinger’. Kissinger é, para todos os efeitos, um criminoso de guerra. Daqueles que nunca se sentarão nos bancos de Haia”. Não podia concordar mais com Clara Ferreira Alves. Conheci Christopher Hitchens pouco tempo antes de ele descobrir que tinha cancro. Falámos na Casa Fernando Pessoa, onde lhe expliquei como o suposto caso do tráfico de armas norte-americanas para o Irão, em 1980, que impediu a libertação dos diplomatas reféns em Teerão e a reeleição de Jimmy Carter, passara por Lisboa, com Kissinger envolvido na história. Sim, eu sei que Hitchens sabia de Kissinger nesse negócio em Lisboa. Mas, Hitchens já morreu e, por muito plumitiva que seja a caprichosa, há coisas que se topam à distância. Bem que pode ela citar o nome de um “grande” para esconder a sua pequenez, pois muito que critique o “velho sapo”, sabemos bem o que pretende. E isso é claro ao defender a criação de um exército europeu: ser cúmplice do tal “criminoso de guerra”.

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20140901

Obrigado, Millás!

Juan José Millás escreveu um livro do caraças. Está correcta esta frase? Se a construção gramatical ficou bem estruturada, com substantivos e verbos e concordância de género devidamente colocados, então sim, está correcta. E é verdadeira, pois ele escreveu mesmo um livro do caraças. Passei dois dias de prazer com “A Mulher Louca” do jornalista e escritor espanhol - edição da Planeta. Um livro substantivo, de facto. Obrigado, Millás! Não sei bem a qual dos Millás devo agradecer pela história de Júlia, Roberto, Serafín, Emérita e Micaela. Desconheço a qual dos Millás devo estar grato pela história da peixeira, com olhar de louca, que vê e fala com as palavras porque está apaixonada por um filólogo, o seu chefe no supermercado - sim, quando a crise económica atinge uma sociedade, o primeiro que as pessoas dispensam é o marisco e os filólogos. Existe o Millás, que é jornalista no El País e que entra como protagonista na história para fazer um artigo sobre a eutanásia e conhece Emérita, mulher de Serafín, em cuja casa Júlia alugou um quarto. É o mesmo apartamento onde é dito pelo outro Millás, aquele que nos narra a história, que Millás, antes ser jornalista, também habitou aquele mesmo local. Qual destes dois Millás é depois o que se senta na cadeira do consultório de Micaela, a psicanalista? E o que dizer do terceiro Millás, o que assina o romance chamado “A Mulher Louca”? Será este um romance falso sobre uma reportagem verdadeira ou uma reportagem falsa sobre um romance verdadeiro? O jornalista e escritor Juan José Millás será Júlia quando esta recebe a visita das palavras, cura-as, vê-as a copular uma com outras, faz-lhes psicanálise e analisa-se? Ou o terceiro Millás veste a pele de um hábil manipulador de palavras, que usa o “álibi” do segundo Millás para, através do primeiro Millás, desviar a atenção das outras personagens e levar o leitor a ser analisado através desta reportagem verdadeira de um falso romance? É uma obra de quase 200 páginas, mas cujo efeito curativo tem duração prolongada. Devolve-nos a fé no poder das palavras, no poder da leitura e da literatura. No poder do jornalismo como ele era e devia ser. Seja tudo muito ou quase nada falso ou totalmente verdadeiro, em qualquer dos casos são as palavras que ficam sempre. Obrigado Millás por esta história. Qual um deles que tu sejas...

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