20041227

Para longe...

"Quando a nossa festa se estragou
e o mês de Novembro se vingou
eu olhei p'ra ti
e então entendi
foi um sonho lindo que acabou
houve aqui alguém que se enganou."

de José Mário Branco

20041226

Para o provedor do leitor do "Público"

Enviei hoje este e-mail:

Caro senhor provedor de leitores do "Público",

Li hoje o seu texto “Copyright na Net”, onde analisa o caso de dois jornalistas do diário “Público” que utilizaram informações de “blogues” sem os ter citado.

Reparei que o director do jornal afirmou que uma das suas jornalistas “retirou a informação do blog, desenvolveu-a (...) o texto dela era umas cinco vezes ou seis vezes maior (...) para isso teve de realizar investigação própria. Por falta de experiência, ingenuidade, má formação dada na Universidade, copia as passagens do blog tal e qual, quando este só, no fundo, lhe teria dado a ideia”.

A minha questão insere-se dentro do mesmo assunto, mas numa outra perspectiva: mais do que jornalistas que copiam informações que constam dos blogs e não os citam, o que dizer dos jornalistas do “Público” que não investigam notícias que surgem nos blogues e que eles sabem ser dignos de notícia?

Digo isto como jornalista profissional com 13 anos de experiência, responsável pelo blogue http://paramimtantofaz.blogspot.com e autor do livro “Eu Sei Que Você Sabe - Manual de Instruções para Teorias da Conspiração”, Edições Polvo.

O referido livro foi editado em Novembro do ano passado e o mesmo continha um capítulo dedicado à morte de Sá Carneiro, conhecido como caso Camarate. Enviei um exemplar para a jornalista da área de política, Ana Sá Lopes (que, por acaso, até assina hoje, na mesma página onde vem o seu texto, a crónica “Do diário da Vanessa”).

Até hoje não houve qualquer referência a esta obra nas páginas do “Público”.
Respeito os critérios jornalísticos do “Público” em não quererem noticiar o trabalho de investigação de um camarada de profissão que durante oito anos consecutivos trabalhou no semanário “Tal&Qual”. Não é sobre isso que se trata esta minha questão.

O que verdadeiramente me intriga é o facto de no início deste mês de Dezembro, o deputado Nuno Melo, presidente da VIII Comissão de Inquérito Parlamentar de Camarate, ter revelado publicamente num jantar do PP em Famalicão que o falecido ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa, andava a investigar um negócio secreto de venda de armas de Portugal ao Irão em 1980.

E Nuno Melo apontou duas datas de documentos referentes a esse envio: 9 de Dezembro de 1980 e 22 de Janeiro de 1981.

Ora, isso vai ao encontro daquilo que escrevi há um ano sobre o eventual móbil de Camarate e que, inclusive, olhando para o livro do advogado Ricardo Sá Fernandes, “O Crime de Camarate” (Dezembro de 2002), poderá comprovar no capítulo dedicado à explicação do móbil que fui eu uma das pessoas que proporcionou documentos da época ao advogado das famílias das vítimas de Camarate.
O jornal “Público”, porém, apesar de todas as evidências passadas e actuais, nunca investigou estas minhas informações e nunca as citou, preferindo omitir a minha tese com claro prejuízo para os leitores do “Público”.

A jornalista Ana Sá Lopes, por exemplo, não pode negar desconhecimento do meu livro, pois falei com ela pessoalmente há um ano e confirmei que chegou a recebê-lo. Outro jornalista que tem escrito regularmente sobre Camarate e que tem acompanhado as reuniões da comissão é o João Pedro Henriques que, tal como Ana Sá Lopes, também colabora num blogue chamado “Glória Fácil”. Qualquer um deles não poderá negar, com razão de verdade, que desconhece a existência do meu blogue.

Não preciso do reconhecimento do diário “Público” para ser feliz na vida, mas não posso deixar de me sentir triste do ponto de vista profissional quando vejo um diário que se diz de referência não contar aos seus leitores factos que eu sei serem dignos de notícia.

Com os melhores cumprimentos.

Frederico Duarte Carvalho
Jornalista profissional nº 3805

20041224

Scrooge

Desde há uns tempos tenho notado que a história de Scrooge, do "Cântico de Natal" de Dickens, tem andado cada vez mais esquecida. É esta febre do consumismo. Mas, deixem-me que vos diga que ainda assim há por aí alguma gente que deverá receber esta noite a visita dos natais passados, presentes e futuros...

20041223

Planos para 2005

Pois é!
Como já muitos devem saber, afinal a nova revista para onde deveria ir trabalhar foi cancelada...
Não é nada que me tivesse admirado, pois apenas veio confirmar a minha percepção de que neste País, por enquanto, não é possível fazer jornalismo.
Confesso, isso sim, ter ficado surpreendido que a decisão de acabar com a revista tivesse sido tomada ainda antes da saída do primeiro número, pois assim muitos de vocês ficaram sem saber o que se andava a preparar...
Pelo meu lado, é claro, iria sair, por exemplo, uma reportagem sobre Camarate que, por um lado, não iria constituiur qualquer novidade para quem conhece este blogue há algum tempo, mas que iria explicar algo que ainda está longe do conhecimento da generalidade dos portugueses...
Paciência.
Agora, quanto ao meu futuro profissional, peço-vos que não tenham pena de mim neste Natal. O grupo Impala assegura o trabalho aos seus jornalistas e, em breve, começarei a trabalhar na revista "TV7Dias". É uma revista de televisão, líder de mercado, cujos responsáveis máximos foram pessoas que já trabalharam comigo há uns anos no "Tal&Qual".
Vai ser um trabalho mais especializado, mas que está dentro de uma área que também domino e em relação à qual tenho um gosto especial (aqueles que me conhecem melhor sabem que no passado trabalhei para vários programas de televisão).
Como certos assuntos de interesse pessoal não vão ser utilizados profissionalmente, irei continuar com este blogue, pelo que até vou estar mais obrigado a manter-me informado e a informar sobre outros assuntos da actualidade.
O meu livro "Eu Sei Que Você Sabe - Manual de Instruções Para Teorias da Conspiração", apesar de ter sido editado há um ano, está cada vez mais actual e estão já previstos mais dois livros meus para o início do próximo ano: "Poeta e Espião", um livro-entrevista com Oswald Le Winter onde este personagem faz revelações inéditas sobre a sua vida (e espectaculares, sempre ao seu estilo...) e ainda, finalmente (a ver se é desta...), o meu primeiro trabalho de ficção: "Abril Sangrento".
Há ainda a possibilidade do livro sobre Oswald Le Winter vir a ser publicado em alemão e, quem sabe, "saltar" da Alemanha para outros países europeus ou de outras latitudes...
Além destes livros, que já foram entregues ao editor e esperam apenas pela ordem de impressão, existem outros projectos nos quais estou a trabalhar. A seu tempo saberão mais...
2005 começa bem... Vamos lá ver se acaba melhor...
De resto, aos amigos sinceros que se mostraram preocupados, aqui deixo o meu desejo de um feliz Ano Novo para todos eles!

20041222

Feliz Natal...

... a todos os homens de boa vontade e mulheres com vontade.

Tortura

Os documentos...

20041221

Casa Pia e Camarate - Uma resposta...

Carlos Cruz, hoje, à saída do Tribunal de Monsanto, após mais uma sessão do julgamento da Casa Pia: "Questionado sobre que razões levarão Carlos Silvino a acusá-lo, sendo mentira, como garante, Cruz limitou-se a argumentar: 'Olhe, 24 anos depois parece que afinal Camarate foi um atentado. Isto é uma resposta'."

20041215

More...

Article from the Portuguese newspaper "Público" about Oswald Le Winter presence at the parliamentary comission on the death of Portuguese prime-minister Sá Carneiro and Defense minister Amaro da Costa on July 2002. The book he holds is Gary Sick's "October Surprise".

And I also remember this old text from cryptome.org:

Published 29 December 2000 in the Lisbon weekly newspaper Tal&Qual, in Portuguese. Translation by Mr. Duarte.

Conspiracy in the Gulf

International plot killed in Camarate

The tragedy in Camarate* was provoked by arms deal during the Iran-Iraq war. This is the theory defended by the lawyer Ricardo Sa Fernandes in a book to be soon published

Frederico Duarte Carvalho

If the crash of the plane that carried Sa Carneiro and Adelino Amaro da Costa was an assassination, then what constituted the origin of those deaths were the arms deals during the Iran-Iraq war. This theory is going to be defended by the lawyer of the families of the victims, Ricardo Sa Fernandes, on his book The Crime of Camarate, which is due to be published 20 January.

Ricardo Sa Fernandes will explain that the assassination was directed at the Minister of Defense, Adelino Amaro da Costa, while the death of the Prime Minister Sa Carneiro was an accident because he wasn't supposed to be on the fatal plane.

Amaro da Costa was an undesirable person to the military because he would have received information from our embassies in the Middle East saying that there were important military men involved on the arms deal during the Iran-Iraq war.

Portugal on the route

Such weapons from the Americans went through Portugal using the ports of Lisbon, Leixues and Setzbal. With Portuguese military personnel, it is alleged, getting their share on the deal. It is known that the Minister of Defense at the time, Adelino Amaro da Costa, was investigating a secret slush fund controlled by the military.

To give a little taste to this situation, let us just say that before taking office as President of the United States, one of Ronald Reagan's first actions was to send the former US Secretary of State, Henry Kissinger to Portugal. Kissinger was in Portugal on 12 November 1980, and held meetings with the then President Ramalho Eanes, the Prime Minister Sa Carneiro and Minister of Defense Amaro da Costa, as well with the then Socialist Party leader Mario Soares and the presidential candidate Soares Carneiro. Officially, Kissinger came to talk about the crisis in Zambia and came to Portugal just in the role of an official adviser to the pharmaceutical company Merck, Sharp & Dohme. Now with the Sa Fernandes theory, it is strange indeed that the Republicans rushed to send such a prestigious man to our country.

Tal&Qual has made some investigations about a conspiracy theory that runs in Washington corridors, since 1988, the time when it became normal to use the expression "October Surprise," and the connection with this theory of Sa Fernandes.

Let us remember that since the fall of the Shah of Iran, in the beginning of 1979, there were 52 Americans hostages held at the US embassy at Teheran, capital of Iran. Ronald Reagan and George Bush had just became elected, respectively, President and Vice-President of the USA, in a fight won over the former President, the Democrat Jimmy Carter. The inaugural address of Ronald Reagan happened on 21 January 1981. Soon after that speech the 52 American hostages in Teheran were released after 444 days of captivity. Only in 1988 did the first questions emerge: Why wasn't Jimmy Carter able to negotiate the release of the hostages, losing that way an important card in the elections that had given the victory to the Republicans? In fact, Jimmy Carter got the honor of going to welcome the hostages at the US military base in Frankfurt, Germany, just because Ronald Reagan granted that permission. And the rest of the so-called conspiracy began to grow.

__________________________

Extra for Cryptome readers:

For those not familiar with the Camarate case:

Camarate is the name of the area on the outskirts of the Lisbon airport where a small Cessna plane crashed on the night of 4 December 1980. On that plane were the Portuguese Prime Minister Sa Caneiro, the Minister of Defense Amaro da Costa, their wives, the Chief of Cabinet Patricio Gouveia and the two pilots. The real facts regarding the crash of the plane, even after 20 years, have never been determined. But there is strong evidence of an explosion soon after the take-off. The families of the victims are still fighting to take the case to court.

A Portuguese film , Camarate: Acident ou Atentado?, has just been made. Some pictures can be seen at the site www.camarate.com.

In the film the name of Frank Carlucci is mentioned. He was at the CIA in 1980 and had been Ambassador to Portugal from 1974 until 1979.

20041213

October Surprise revelations in Portugal!

For the english readers:

"Did the Reagan-Bush election campaign sabotage President Carter's attempts to free the Americans hostages in Iran?" - was the question from Barbara Honegger's 1989 book.
This week, a Portuguese parliament comission into the prime-minister Sá Carneiro and Defense minister Amaro da Costa's deaths on a plane crash, in December 4, 1980, pointed to a sabotage.
Nuno Melo, the comission's president revealed that a possible motive for the sabotage was the ilegal gun deal from Portugal to Iran during the 1980's hostage crisis and Presidential elections in the USA.
Nuno Melo said that defense minister Amaro da Costa called off a guns deal two days before the plane crash, but guns were sent from Portugal to Iran five days after his death, on December 9, 1980.
Two days after Reagan's inauguration speech and the release of the hostages, 22 January 1981, guns were also sent from Portugal to Iran, was revealed this week in Portugal.
These recent revelations confirm the claims made by Oswald Le Winter when he went to testify before this Portuguese comission on July 2002...

20041211

"Expresso", outra vez

Num pequeno texto hoje publicado na página 17 do semanário "Expresso", sem qualquer chamada à primeira página, é dito que Portugal vendeu armas ao Irão em 1980.
A 15 de Novembro de 1980, o mesmo semanário, então dirigido por Marcelo Rebelo de Sousa, disse, desta vez na primeira página, que Portugal vendera armas ao Iraque e não ao Irão, desmentindo notícias que então circulavam noutros jornais da época.
É certo que o texto de hoje refere-se a vendas que ocorreram após aquela primeira notícia de há 24 anos, a 9 de Dezembro de 1980 e a 22 de Janeiro de 1981 - isto citando a agora conhecida auditoria da Inspecção-Geral de Finanças às contas do antigo Fundo de Defesa do Ultramar, uma espécie de "saco azul" das Forças Armadas.
O que o "Expresso" não nos explica é quais as reais implicações que estas vendas de armas ao Irão ainda representam para o actual panorama político mundial.
Eis, por exemplo, alguns factos que o "Expresso" não conta aos seus leitores:
- Havia, em 1980, um embargo internacional de venda de armas ao Irão devido ao facto deste país manter reféns 52 cidadãos norte-americanos desde o assalto à embaixada dos EUA em Teerão a 4 de Novembro de 1979.
- A 4 de Novembro de 1980 houve eleições presidenciais nos EUA, onde o democrata Jimmy Carter não foi reeleito. Ganharam os republicanos Ronald Reagan e George Bush (pai do actual presidente norte-americano).
- Henry Kissinger, antigo secretário de Estado norte-americano visitou Portugal entre 14 de Novembro e 16 de Novembro de 1980.
- Adelino Amaro da Costa mandou investigar o negócio da venda de armas ao Irão pouco antes da queda do avião em Camarate.
- Armas foram mesmo enviadas de Portugal para o Irão a 9 de Dezembro de 1980, cinco dias depois de Camarate.
- Os reféns norte-americanos foram libertados poucos minutos após o discurso da tomada de posse de Ronald Reagan como presidente dos EUA, a 20 de Janeiro de 1981.
- Portugal voltou a mandar armas para o Irão a 22 de Janeiro de 1981.
- A confirmação desta venda de armas ao Irão através de Portugal vem dar razão àqueles que, ainda hoje, nos EUA e noutros países, sempre disseram que houve uma negociação secreta entre membros da campanha presidencial republicana (nomeadamente homens próximos de George Bush, que tinha sido director da CIA entre 1976 e 1977) no sentido de garantir a não libertação dos reféns, fragilizando assim as possibilidades de reeleição de Jimmy Carter.
....
Outro dado que vem no "Expresso":
Vejam a página 105 da revista "Única" da mesmíssima edição de hoje, onde se faz uma resenha a algumas revistas internacionais. Atentem ao texto sobre a revista "The Atlantic" deste mês. A capa é sobre os 52 reféns do Irão. O "Expresso" não nos diz, mas eu deixo aqui para os meu leitores esta breve passagem do texto do jornalista Mark Bowden:

"Iran is still very much in the grip of CIA-phobia, wich has spawned a national industry of conspiracy theories. One of the more breathtaking holds that the embassy seizure was actually orchestrated by the CIA".

20041210

Camarate na "Capital"

O diário a "Capital" de hoje fez jornalismo e descobriu finalmente o móbil do atentado de Camarate: "E, para além do autor norte-americano Siobhan Mitchell ter escrito que 'o primeiro-ministro pode ter sido morto para esconder um negócio secreto de armas entre serviços secretos americanos e o Irão para ajudar os republicanos a vencer as eleições', já alguns autores portugueses, como o advogado Ricardo Sá Fernandes ou os jornalistas Inês Serra Lopes e Frederico Duarte Carvalho, tinham abordado o assunto."

20041208

Coragem

Quero aqui deixar a devida vénia ao deputado Nuno Melo por ter tido a coragem de revelar mais dados que vão ao encontro daquilo que há um ano escrevi no meu livro "Eu Sei Que Você Sabe - Manual de Instruções Para Teorias da Conspiração" (Edições Polvo)...

20041207

Camarate no Parlamento

Nada mais tenho a acrescentar ao que foi dito no Parlamento sobre o atentado de Camarate, pois tudo o que tinha a dizer foi publicado em livro no ano passado. Deixo agora que outros jornalistas realizem o seu trabalho e venham relembrar o facto.
Se puderem...

20041205

O senhor Cavacas

O meu pai telefonou-me agora para me dizer que o meu avô, o pai da minha mãe, acabou de falecer.
Era o meu único avô, visto que o pai do meu pai faleceu quando este último era adolecente.
O senhor Cavacas, cujo nome ostento com orgulho no meu bilhete de identidade, foi durante muitos anos o barbeiro da Rua António Enes, no Porto.
Eu adorava aquela sua loja, pois passava horas sentado a ler as revistas do "Mundo de Aventuras", "Major Alvega", "Tarzan" e outras que eram editadas pela Agência Portuguesa de Revistas. A entrada para a casa dos meus avós fazia-se por uma porta da própria barbearia e havia atrás um jardim onde a minha avó criava as galinhas para o fabuloso arroz de cabidela que nunca mais comi.
Enquanto eu entrava no mundo das aventuras aos quadradinhos, o meu avô cortava cabelos aos clientes e conversava, conversava, conversava... Sempre a dar à língua o Cavacas e eu, ali, calado, a ler as aventuras. Ainda hoje me lembro de ele um dia comentar com um cliente a sua preocupação com a minha aparente apatia e falta de relacionamento com os amigos: "Pois, fica ali a ler e não conversa com os amigos...", escutei e ri-me para dentro.
Hoje, se sou jornalista e faço disto um modo de vida onde converso e procuro histórias, em parte devo-o ao espírito daquele velho barbeiro que está sempre a dialogar com os clientes.
Quando o meu avô se reformou e deixou a casa da barbearia passou a ser um ilustre barbeiro ao domicílio, indo visitar os seus antigos clientes do Carvalhido, sempre com aquele seu chapéu característico e a mala de utensílios que a mim mais pareciam dignos de um filme de terror (ainda hoje me penteio apenas com um jeito de mão. Outra coisa: a minha mãe nunca quis que fosse o meu avô a cortar-me o cabelo. Entende-se, pois a especialidade dele era a máquina zero, que se revelaria uma óptima opção devido à próximidade de um quartel militar na zona...).
O meu primeiro carro foi o "carocha" do avô Cavacas, o mesmo onde, quando eu era criança, passeava aos domingos com os meus avós pela Foz a buzinar no meu volante azul de plástico, a comer laranjas e línguas da sogra, a ver os pescadores nas palmeiras e a ouvir o relato dos jogos da bola comentados por um brasileiro histérico.
O senhor Cavacas poderia ter tido os últimos anos de vida cheios de histórias, não fosse, há uns anos, uma estúpida operação feita por estúpidos médicos que nunca nos avisaram dos verdadeiros riscos da intervenção, que acabou por atirá-lo para uma cadeira de rodas num estado semi-vegetal. Aqui fica a homenagem à minha mãe e avó que sempre cuidaram do Cavacas. E aos meus irmãos que iam lá a casa dele cortar-lhe o cabelo...
Há muitos anos que Deus deveria ter chamado o velho barbeiro.
Chamou-o hoje.
Deus chegou finalmente à conclusão de que já andava a precisar de alguém que lhe aparasse aquelas longas barbas...

20041203

Vermelho...

Ainda não li o livro de Pinto da Costa, o "Largos Dias Têm 100 Anos" - também tenho ainda para ler o "Memoria de Mis Putas Tristes", do Gabriel Garcia Marquez - mas reparei que a editora do livro do presidente do FC Porto tem a sede em Lisboa e, ainda por cima, na Rua do Triângulo Vermelho! Mas calculo que nesta altura ele não esteja muito preocupado com isto...
Por outro lado, ao dar uma rápida vista de olhos aos capítulos, fiquei um pouco desiludido porque não encontrei nada sobre Maria Elisa, afinal a primeira jornalista que disse publicamente que iria escrever uma biografia de Pinto da Costa. Lembro-me que foi em 1997, na altura da conquista do "tri", quando fui ao almoço comemorativo que se realizou nas Antas e fiquei sentado na mesma mesa onde estava o director do "Diário de Notícias" e, salvo erro, o então director da Polícia Judiciária do Porto. Ai estas minhas memórias...

20041201

1871 em 2004

“Há muitos anos a política em Portugal apresenta este singular estado: Doze ou quinze homens sempre os mesmos, alternadamente, possuem o poder, perdem o poder, reconquistam o poder, trocam o poder... O poder não sai duns certos grupos, como uma péla que quatro crianças, aos quatro cantos de uma sala, atiram umas à outras, pelo ar, numa explosão de risadas.
Quando quatro ou cinco daqueles homens estão no poder, esses homens são, segundo a opinião e os dizeres de todos os outros que lá estão, - os corruptos, os esbanjadores da fazenda, a ruína do país, e outras injúrias pequenas, mais particularmente dirigidas aos seus carácteres e às suas famílias.
Os outros, os que não estão no poder são, segundo a sua própria opinião e os seus jornais – os verdadeiros liberais, os salvadores da causa pública, os amigos do povo, os interesses do país e a pátria.
Mas, cousa notável!
Os cinco que estão no poder, fazem tudo o que podem – intrigam, trabalham, para continuar a ser os esbanjadores da fazenda e a ruína do país, durante o maior tempo possível! E os que não estão no poder movem-se. Conspiram, cansam-se para deixar de ser – o mais depressa que puderem – os verdadeiros liberais e os interesses do país!
Até que enfim caem os cinco do poder, e os outros – os verdadeiros liberais – entram triunfantemente na designação herdada de esbanjadores da fazenda e ruína do país, e os que caíram do poder, resignam-se cheios de fel e de amargura – a vir ser os verdadeiros liberais e os interesses do país.
Ora como todos os ministros são tirados deste grupo de doze ou quinze indivíduos, não há nenhum deles que não tenha sido por seu turno esbanjador da fazenda e ruína do país...
Não há nenhum que não tenha sido demitido ou obrigado a pedir demissão pelas acusações mais graves e pelas votações mais hostis...
Não há nenhum que não tenha sido julgado incapaz de dirigir as coisas públicas, - pela imprensa, pela palavra dos oradores, pela acusação da opinião, pela afirmativa constitucional do poder moderador...
E todavia serão estes doze ou quinze indivíduos os que continuarão dirigindo o país neste caminho em que ele vai, feliz, coberto de luz, abundante, rico, forte, coroado de rosas, num choito [trote miúdo e sacudido] triunfante!”
Junho de 1871 – “Farpas” de Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão, edição "Principia" de 2004, págs 68 e 69

Este texto foi escrito pouco depois da Comuna de Paris mas parece incrivelmente actual. Como é possível que estes escritos sejam quase um decalque da actual situação política nacional, onde PSD e PS alternam no poder? É simples: a fórmula histórica repete-se para gáudio de uma elite que divide entre si o poder.
E para poder manter o povo na ignorância, a disciplina de História é maltratada na escola, os clássicos da nossa literatura são vulgarizados nas aulas de Português sem esquecer a Matemática, que a muitos arrepia pois é uma disciplina que “obriga a pensar”.

Pensem:
P - O que mudou na política portuguesa em quatro meses?
R - Assim, de repente, só me lembro da eleição do novo secretário-geral do PS, o tal que há muito estava apontado para ser o escolhido...
P - As instituições democráticas estavam a funcionar?
R - Sim.
P - Houve algum escândalo político que obrigasse o Presidente da República a dissolver o Parlamento?
R - Não. Ninguém no Governo foi acusado de pedofilia nem sequer a Imprensa, por exemplo, descobriu que uma qualquer alta figura política tentou ocultar, manipular ou conspirar para que isso não viesse a público. Não houve qualquer escândalo económico ou um facto que pudesse ter sido imputado ao primeiro-ministro. No fim, demitiu-se um ministro que era amigo pessoal... Portanto, foi uma questão pessoal... Perdeu-se um governo por causa de uma desavença pessoal?
P - O primeiro-ministro era atacado na Imprensa mas isso provocou qualquer reacção pública, qualquer greve geral a pedir a sua demissão?
R - "Sim" à primeira, um redondo "não" à segunda pergunta...
P - O governo manipulou a comunicação social?
R - Claro que sim, como qualquer governo. Só que, desta vez, os anteriores "esbanjadores da fazenda" tinham o título de "interesses do país" em mais jornais do que os actuais "ruína do país"... Ou será que desde que Fernando Gomes, o antigo ministro socialista da Administração Interna foi demitido isso fez com que, automaticamente, tivessem terminado os assaltos a bombas de gasolina?! Terminaram sim, mas apenas dos alinhamentos dos telejornais... Da mesma forma que alguém ingenuamente poderá acreditar que vai ser a partir de agora que Marcelo vai poder falar livremente. Logo ele, que nunca deixou de dizer apenas o que queria dizer mas nunca disse o que se deveria dizer...
P - É possível que Santana Lopes tenha "forçado" esta situação para sair como uma vítima e tentar a conquista do poder pelo poder?
R - Não descarto essa hipótese. O futuro nos dirá, mas tudo isto já estava escrito há muito tempo... desde 1871, por exemplo.