O semanário "Expresso" publicou hoje a entrevista que José Pedro Castanheira fez ao antigo número 2 da embaixada dos EUA em Lisboa, no pós-25 de Abril de 1974, o embaixador Herbert S. Okun (e não Oruk, como erradamente vem na capa da "Actual"), aquando da passagem deste por Portugal para participar numa conferência na Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD).
É um documento importante. Guardem-no, porque deixa-nos campo para umas quantas observações:
1 - "Herbert S. Okun chegou a Lisboa em Janeiro de 1975, antes de Frank Carlucci, que teve de aguardar autorização do Senado norte-americano", começa logo por escrever José Pedro Castanheira. Ora, se formos a recordar o argumento de que Carlucci não podia ser agente da CIA, porque o Senado norte-americano nunca nomearia um agente para desempenhar as funções de embaixador, vemos que Okun não precisava de ser aprovado pelo Senado. Contudo, ele conheceu Carlucci no Brasil, durante os anos 60. Henry Kissinger escolheu Carlucci e Okun para Portugal depois do número 2 da CIA, Vernon Walters, ter apontado o seus nomes. Okun seria também um homem da CIA? Não sabemos, porque Castanheira nunca lhe perguntou (e o norte-americano talvez nem sequer lhe responderia com toda a verdade). A dúvida fica, e, mais à frente na conversa, Okun "desafia-nos" quando confidencia ao jornalista do "Expresso" que o general Vernon Walters até era padrinho de uma das suas filhas...
2 - Okun diz também que, quando o seu "compadre" Vernon Walters esteve em Portugal, em Agosto de 1974, "tinha sido enviado para falar com Costa Gomes e descobrir o que se passava aqui".
O Presidente da República não era então Spínola? Pelo menos até ao fracasso da manifestação da "Maioria Silenciosa" a 28 de Setembro? Setembro é o mês que vem a seguir a Agosto? E, em 1974, o calendário era o mesmo de sempre, não era?
3 - Vernon Walters conhecia Costa Gomes "da NATO e da guerra nas colónias portuguesas de África", afirma o antigo diplomata norte-americana em Lisboa.
Carlucci, lembro eu, também esteve em África, no Congo, nos anos 60. Na fronteira com Angola, onde conheceu, por exemplo, um guerrilheiro chamado Jonas Savimbi, que na altura militava num movimento liderado por Holden Roberto. Carlucci também não deveria desconhecer de todo algumas coisas sobre os portugueses...
4 - Uma pequena contradiçãozinha, talvez devido à avançada idade do entrevistado: No início da entrevista, Okun disse que foi convidado para o seu trabalho em Portugal por Kissinger e Carlucci depois do fracasso do 28 de Setembro. Porém, um pouco mais à frente, quando responde à pergunta "A administração dos EUA fora apanhada completamente de surpresa pelo golpe de 25 de Abril?" - é "engraçado" constatar que, segundo parece, ainda há dúvidas a este respeito... Passados quase 30 anos... - , o norte-americano "estica-se" e revela-nos ainda mais este detalhe: depois da tal viagem do "compadre" Vernon Walters a Portugal, em Agosto de 1974, onde se encontrou com Costa Gomes ainda antes da demissão de Spínola, no dia seguinte à manifestação da "Maioria Silenciosa", 29 de Setembro, Walters criticou a actuação dos embaixadores dos EUA em Lisboa e, em conversa com Kissinger, "sugeriu então os nomes de Carlucci e o meu", conta-nos o diplomata.
A segunda dúvida fica aqui: Foi então decidido enviar os homens de confiança do número 2 da CIA para Lisboa ainda antes de se saber que Spínola iria abandonar a presidência da República? E isto foi combinado na altura do tal encontro de Agosto com o velho amigo de África, Costa Gomes?
5 - Okun confessa que soube com antecedência que iria haver golpe no Brasil, em 1964. A própria entrevista tem como título o facto da embaixada norte-americana em Lisboa ter ainda "adivinhado" o nosso 25 de Novembro de 1975. E, como disse Okun, "Carlucci foi sempre muito correcto e nunca interferiu nos assuntos internos de Portugal". Mário Soares, por exemplo, há muito que nos contou que "conspirava" com Carlucci contra os comunistas...
Manuel Sá Machado era chefe de gabinete de Mário Soares quando este foi ministro dos Negócios Estrangeiros. E Okun diz a propósito de Sá Machado: "acordou-me muitas vezes a meio da noite para nos transmitir alguma coisa". Este era o mesmo Sá Machado que Okun também diz ter conhecido quando esteve no Brasil. E Carlucci? Será que também conheceu Sá Machado nessa altura?
6 - "Acredite que não tenho razões para inventar histórias 26 anos depois. As mentiras perduram sobre a verdade. É a mitologia da revolução", diz Okun quando responde à pergunta "A CIA tinha muita gente a trabalhar em Portugal". Os tais 26 anos ainda são muito pouco tempo para acreditar nas verdades da História oficial. Há muita gente viva quie ainda hoje cobra os louros daqueles tempos. Mas estas entrevistas ajudam a perceber algumas coisas. Pelo menos para ver o que ainda é incómodo para certas pessoas..
7 - "Sá Carneiro não gostava de Carlucci", é o título de uma outra secção desta entrevista. Okun opinia sobre as razões pelas quais Sá Carneiro agia assim: "talvez porque fosse um homem pequenino...".
Ora, Carlucci também é pequenino. Mas, conforme tive oportunidade de testemunhar, Okun insistiu sempre nesta imagem negativa em relação a Sá Carneiro ao longo da sua intervenção na FLAD. Disse-o pelo menos umas duas ou três vezes e notei o incómodo com que algumas pessoas na assistência captaram estas suas palavras redutoras. É "interessante" ver um diplomata falar assim, de uma forma tão "baixa", de uma pessoa que foi primeiro-ministro de Portugal e que não se pode defender porque morreu em trágicas circunstâncias, que ainda hoje estão por apurar... Se Sá Carneiro não gostava de Carlucci e Okun, agora sabemos que, pela justificação de Okun, Sá Carneiro tinha mesmo um "instinto" para julgar o carácter de algumas pessoas...
Agora, pergunto ainda: Será que Sá Carneiro não gostava de Carlucci e de Okun porque saberia que estes eram os "operacionais" do número 2 da CIA, Vernon Walters, que Sá Carneiro conheceu quando viajou com Spínola ao encontro de Nixon, nas Lajes, em Junho de 1974? Dois meses antes da visita de Walters a Portugal e o encontro deste com Costa Gomes, o homem que viria depois a substituir Spínola em Belém? Será que Sá Carneiro não sabia bem o que estes senhores faziam em Portugal e que planos tinham para o futuro do nosso País?
Para quem quer uma resposta a esta pergunta, aconselho a ir ver a peça teatral "Viriato", escrita pelo doutor Freitas do Amaral (antigo ministro dos Negócios Estrangeiros de Sá Carneiro), sobre o fim trágico de um patriota lusitano que é assassinado às mãos dos traidores a soldo do Império... romano.