Comissão cumprida
Foram três horas. Entre as 19 e as 22 horas de ontem estive a responder a todas as perguntas dos deputados na Xª Comissão Parlamentar de Inquérito de Camarate. No fim ficou a sensação do dever cumprido, como jornalista e cidadão. Foi o culminar de mais de 10 anos de trabalho com muitos riscos profissionais, foram mais de 30 anos de vontade em querer saber a verdade. Como disse ontem aos deputados, era por ali que tudo deveria ter começado quando, a 4 de Dezembro de 1980, caiu o avião com o primeiro-ministro e ministro da Defesa a bordo. Qual o "nexo de causalidade" entre a morte de Sá Carneiro e o tráfico de armas para o Irão, foi a primeira pergunta, feita pela deputada Isabel Oneto, do PS. Estava dado o mote de partida. A reportagem da agência Lusa destacou para título essa primeira pergunta entre as muitas que depois se seguiram durante as três horas. E ainda bem, pois foi uma atitude inteligente de quem fez a pergunta e da jornalista que a registou (creio que era uma jornalista, pois só havia uma pessoa presente no local habitualmente ocupado pela Comunicação Social e era mulher). Respondi que também eu queria saber isso. Destaquei então a capa do meu livro, que pelo grafismo, reproduz jornais da época e disse que, na realidade, Camarate só ontem é que começava a ser investigado. Os jornalistas da época podiam ter começado a investigar o caso dos reféns de Teerão e a possibilidade de haver ou não um "nexo de causalidade" com a morte do primeiro-ministro. E davam assim seguimento ao artigo do jornal "Portugal Hoje", de 11 de Novembro de 1980, semanas antes da queda do avião Cessna, onde era mencionado esse tráfico. Um jornal onde estagiou a deputada socialista que ainda não conhece o "nexo de causalidade". Outro dado muito inteligente registado pela reportagem da Lusa foi a lista dos nomes das pessoas que sugeri que deviam ser ouvidas precisamente para procurar esclarecer o tal "nexo de causalidade". Escreveram que sugeri Frank Carlucci, que fora o embaixador dos EUA em Lisboa e era o número dois da CIA na altura da morte do primeiro-ministro português, o ex-Presidente da República e amigo pessoal de Carlucci, Mário Soares, e o ministro dos negócios Estrangeiros de 1977, Medeiros Ferreira. Eram os nomes que, devido aos cargos que então ocupavam, estavam envolvidos num caso de tráfico de armas em Portugal em Julho de 1977. No entanto, a minha lista era mais completa. Também sugeri Alpoim Calvão, responsável pela empresa Explosivos da Trafaria, José Garnel, da empresa Defex, Henry Kissinger, Vasco Abecassis (ex-marido de Snu e que teria telefonado para Donald Rumsfeld para saber se Sá Carneiro era "perseguido" pela CIA), Cavaco Silva, Rui Carp, Jim Hunt (sobrinho de Frank Sturgis, o suposto autor do atentado, pessoa que terá apertado o botão do controlo remoto que fez explodir a bomba a bordo do avião), para além de José Esteves e Farinha Simões. Sugeri ainda que a Assembleia da República pedisse à CIA que esclarecesse os factos descritos no meu livro sobre o tráfico de armas por Portugal durante a crise dos reféns do Irão e as suspeitas de Sá Carneiro. Mas, de igual modo, alertei os deputados para o perigo que este caso, ainda hoje, representa para a estabilidade do regime dos EUA e do Irão. Frisei que Camarate era uma questão que envolvia a nossa soberania. Foi por termos perdido essa soberania ao longo dos anos em que não se investigou o tráfico de armas por Portugal que permitimos o actual domínio da Troika. Mencionei o facto de que, desde 1975, a nossa Democracia, construída na base de atentados à bomba e de contra-informação, ainda hoje não permite a plenitude do jogo democrático com uma aliança PS-PCP. Mas que, ainda assim, investigar Camarate, era um sinal para o resto do mundo de que tínhamos a coragem de arrumar a nossa casa e dizer depois aos outros países que fizessem o mesmo.
Eu cumpri.
Agora, outros que cumpram também o seu dever.
Eu cumpri.
Agora, outros que cumpram também o seu dever.
Etiquetas: Camarate, Francisco Sá Carneiro, Irão
2 Comentários:
De facto é de "estranhar" que a unica nota relevante na imprensa, seja o da referida deputada se mostrar ceptica quanto ao estabelecimento de nexo de casualidade, principalmente quando se trata do crime mais gravoso que este país conheceu e onde faleceu,, somente (e entre outros) o primeiro-ministro...ou se calhar não é nada de estranhar.
Não se esqueça da tal abrangencia de interesses no crime...no figurino nacional, o bloco central (os que mais relevancia interna tiveram no crime) têm de desempenhar os papeis que lhe foram destinados...o PSD o da eterna procura da verdade, através de infidaveis comissoes de inquerito sempre que ocupa o poder, o PS o de eternos cepticos e até mesmo antagonistas nas citadas comissões...para inglês ver, claro
mais uma vez OBRIGADO pela sua tomada de posição e por dar a cara com o prejuízo que daí advém para a sua vida profissiona
Força, que o tempo está a chegar...
"...pois só havia uma pessoa presente no local habitualmente ocupado pela Comunicação Social".
E eu que pensava, ingenuamente, que esta comissão de inquérito iria ter o mesmo tipo de cobertura do que uma outra anterior sobre o mesmo assunto, que me lembro bem de ver, com transmissões em directo na "SIC Notícias" e afins...
Obviamente que, esta comissão, em particular - que, diz o Frederico, e muito bem, deverá ser a comissão de inquérito sobre Camarate - irá ter uma cobertura mínima (e obviamente manipulada) por parte da imprensa controlada.
Uma única pessoa... Incrível...
E da mais-que-controlada agência Lusa, que serve de fonte para os restantes média.
(Suponho que tenha sido para controlar, mais eficazmente, o que sai cá para fora - pois, quantos mais jornalistas enviassem, maior seria a probabilidade de escapar alguma coisa de importante para o público. E que tenha sido talvez também por, nos outros média, o controlo não ser tão efectivo.)
"Inteligente", para mim, foi a decisão de omitir, na mencionada reportagem, aqueles nomes que são exactamente os mais relevantes (e importantes para a história).
Vamos ver no que isto dá...
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