20071124

Também não era preciso bater tanto...

Hoje vale a pena comprar o "Público" e guardá-lo: Vasco Pulido Valente analisa "Rio das Flores" de Miguel Sousa Tavares...

"(...) O uso das fontes e 'peças de jornalismo'

Para além das 'meditações' sobre política (sob forma de polémica ou não), Sousa Tavares precisa de 'encher' o romance, de o 'enchumaçar'. Para isso, usa fontes. Na história, como na ficção histórica, as fontes devem servir para suportar uma narrativa ou um argumento, esclarecer um ponto obscuro, excepcionalmente para uma descrição com valor alegórico, metafórico, simbólico, analítico ou dramático. Nunca devem servir para uma simples paráfrase ou como uma espécie de reservatório de elementos decorativos, para dar 'cor' a um episódio, à maneira do jornalismo de 'revista'. Infelizmente, é assim que Sousa Tavares sistematicamente as usa. Há passagens que quem se deu ao trabalho de ler a bibliografia percebe muitas vezes donde foram 'tiradas'. Segue uma lista:
1.º Uma tourada em Sevilha. Sousa Tavares não estava com atenção quando 'estudou' a fonte e confunde a capa (ou capote) com a muleta. Daí em diante é o puro disparate.
2.º História abreviada do Palácio Real de Estremoz.
3.º Descrições de vários automóveis.
4.º Descrição do voo de um Zeppelin sobre Lisboa.
5.º Opiniões do embaixador inglês (em 1929) e do sr. R.A. Gallop sobre os portugueses.
6.º Breve história do restaurante Tavares Rico.
7.º O cinema em Lisboa no princípio dos anos 30.
8.º Descrição dos efeitos da crise de 1929 em Portugal.
9.º Descrição de um Zeppelin.
10.º Descrição e história do hotel Copacabana Palace.
11.º Nova descrição de hotéis e de alguns cafés frequentados por intelectuais no Rio.
12.º Preparativos para a Exposição do Mundo Português e obras da referida Exposição.
13.º Economia do café no Brasil.
14.º Descrição e história da fazenda Águas Claras.
15.º Diatribe contra intelectuais brasileiros que colaboram com Getúlio Vargas.
16.º Algumas notas sobre a família Werneck.
17.º Descrição e história da cidade de Vassouras.
18.º Descrição da querela entre Salazar e Armindo Monteiro.
19.º História da demissão do vice-cônsul de Portugal em Vichy (depois de preso pela Gestapo), recomendada por um terceiro secretário de embaixada, Emílio Patrício.
A maior parte destas digressões não tem qualquer função na narrativa: não passa de um ornamento 'colado' à narrativa. E a pequena parte que tem uma função podia ter sido reduzida a uma frase ou a meia dúzia de linhas. Sousa Tavares não diz nada indirectamente: não sugere, não insinua, não omite. Não escreve como quem escreve um romance, escreve como quem escreve um relatório: directamente, com a mesma luz branca e monótona para tudo.
Lendo o 'Rio das Flores', uma pessoa sente claramente quando entrou a 'ficha' (de informação) sobre isto ou sobre aquilo. E o peso das fichas torna o livro pueril como um 'trabalho de casa'. Mas também o desequilibra. A interminável quantidade de páginas sobre, por exemplo, os Zeppelin, a política brasileira (em que Diogo não participa) ou as belezas de Vassouras são meras curiosidades, que estão ali porque estão, e atenuam ou dissolvem a já fraca intensidade do romance.

Comida

No 'Rio das Flores' há 17 descrições de comida. Dessas 17 só quatro ou cinco (e com muito boa vontade) se justificam".

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1 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Isto é que se chma mesmo de "mandar para o maneta"!

24 novembro, 2007  

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