20030810

Perculí

Aquilo desviou-me a atenção do trânsito à medida que preparava para me despedir de Caracas: "Perculí que baje y que me traiga la llave. Voy al aeropuerto...". Fiquei a pensar que não tinha ouvido bem, mas depois, quem trouxe a chave foi a miúda. Não me lembro agora do nome dela, mas não era "Perculí". O trânsito estava horrível. A Venezuela marcha lentamente nos dias de hoje. Demasiado petróleo no mar, demasiada informação e contra-informação. Mas, quem era "Perculí"? Porque é que ele tinha chamado "Perculí" à miúda? Não resisti e antes de chegar ao aeroporto perguntei-lhe: "Explica-me uma coisa: porque chamaste a ela de 'Perculí'?". Ele riu-se e esclareceu-me que "Perculí" era um antigo boxeador venezuelano, dos anos 50, e que aquela era uma história que o pai dele lhe contava. Que Perculí já no fim de carreira não combatia bem, estava velho, mas ainda assim foi fazer uma digressão pela Tailândia ou outro país qualquer da Ásia. Como não havia televisão a transmitir em directo, foi a rádio quem fez o relato do combate para a Venezuela e, durante a emissão, só se ouvia o jornalista a gritar "Perculí", "Perculí", "Perculí". Era Perculí para aqui, Perculí para ali e toda a gente em casa a pensar que Perculí estava a dar uma monumental coça no adversário, até que, de repente, Perculí cai no chão e terminou o combate e toda a gente ficou espantada. É claro que o jornalista tinha-se limitado a relatar apenas os golpes de Perculí, sem nunca falar na pancadaria que ele estava realmente a levar do tailandês. "Sim, mas e que tem isto a ver com ela?". Então ele diz: "Há uns tempos perguntava-lhe como estavam os testes na escola e ela dizia sempre que estava tudo bem. Quando chegou ao fim, reprovou. Desde então passei a chamá-la de Perculí. Perculí! Perculí!".
Dedico esta a todos os "Perculí" que por aí andam.

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