Páginas

20120328

Sustenta Pereira

Ao recordar António Tabucchi, que nos deu livros únicos como "Afirma Pereira" e "A Cabeça Perdida de Damasceno Monteiro", veio-me à memória uma pequena história que soube há uns anos relacionada com a edição portuguesa da obra "Afirma Pereira". Não sei se é inédita, mas como não me recordo de a ter lido antes, partilho-a. O título original da obra "Afirma Pereira", em italiano, é "Sostiene Pereira"...



Gosto do som da palavra italiana "sostiene". Aquele "tiene" depois do "sos", que nos faz enrolar a língua e termina de forma musical, é bonito. A correspondência em português existe de duas formas: "Sustenta" e "Afirma". Como se sabe, esta última foi escolhida para a tradução em português, mas o "Sustenta" estaria igualmente correcto. Contaram-me que, quando o livro foi traduzido para português, chegou a estar mesmo previsto que o título seria a tradução mais aproximada do original italiano, ou seja, "Sustenta Pereira". Contudo, já perto da data da impressão, a decisão final acabaria por cair no "Afirma Pereira". Não vou discutir a opção, pois qualquer uma delas parece-me bem. Se calhar, até posso defender a solução escolhida, apesar de distante do original italiano, poderá ser a mais adequada à sonoridade portuguesa, pois tem ali um ar musical no "afi". É mais sonora do que um profundo "Sustenta". Quando ficou decidido finalmente que o título final seria "Afirma Pereira", houve que mudar no miolo do livro a expressão que dá o título e que percorre todo o texto da obra, substituindo-se os vários "sustenta Pereira" pelos "afirma Pereira". E, na altura, foi-se ao corrector automático do documento de texto no computador e fez-se a operação: onde se lê: "sustenta", mudar para: "afirma". Um toque de tecla, e pronto, já está! E assim se escreveu a história de um título mítico da literatura mundial, com direito a adaptação ao cinema naquele que foi um dos últimos filmes do grande actor italiano Marcello Mastroianni e, cujo início, tem lugar no jardim de S. Pedro de Alcântara...



Só que esta história não termina aqui... Estava a obra já a ser impressa, ou prestes a entrar para a gráfica - não consegui ainda confirmar este detalhe - quando alguém reparou num grave erro: A mudança da palavra "sustenta" para "afirma" provocara uma frase ridícula! Era uma frase onde se fala de filhos e de uma pessoa que os "sustenta" financeiramente. Pois é, já estão a ver no que deu: em vez de "é ele que os sustenta", ficou: "é ele que os afirma"! Ao que parece, o erro foi corrigido a tempo, mas se tiverem por aí uma primeira edição, procurem a ver se afinal passou ou não!

1 comentário: