Páginas

20120315

O "puto"

Quando eu andava na escola secundária Carolina Michaelis, no Porto, havia um pequeno campo da bola, mas aquilo só podia ser usado pelas turmas que iam às aulas de ginástica. Assim, para jogarmos tínhamos o pátio interior. As balizas faziam-se com as pastas que eram amontoadas. Aquela era uma escola secundária igual a tantas outras – embora esta tenha ficado tristemente famosa a nível nacional, há uns anos, por causa da aluna que desatou ao berros a exigir à professora que lhe devolvesse o telemóvel. Quando lá andava, ainda não havia telemóveis. Naquela altura, o muro de Berlim estava prestes a cair e o FC Porto acabara de ganhar a Taça dos Campeões com o golo de calcanhar de Madjer e o remate final do Juary, com que derrotara o Bayern de Munique na final de Viena. E todos nós sonhávamos ser jogadores da bola e, tal como o Futre, ir ganhar dinheiro no estrangeiro, mesmo a dormir. E lá andava eu, a jogar à bola de vez em quando e a ir treinar na equipa de iniciados lá da zona. Não posso dizer que jogasse bem. Não tinha grande técnica, mas corria rápido e acho que até sabia desmarcar-me e receber e despachar uma bola em condições. Fazia bons cortes de bola e não fugia à luta. Mas, lembro-me em particular de um puto que estava sempre a correr. Recordo-me principalmente do facto de estar sempre suado. Era mais baixinho do que eu, que sempre fui de um tamanho médio. No entanto, o “puto” era aguerrido, lutador. Eu era um tipo certinho, pois só costumava jogar à bola quando tinha um “furo” no horário. O “puto”, contudo, parece que estava sempre a faltar às aulas para ir jogar à bola no pátio. Às vezes, estava eu a entrar da aula ou a sair e olhava lá de cima e lá estava ele, no seu jeito rápido de jogar e sempre a chutar a bola, a fintar e a correr atrás dela. Como corria! Lembro-me que todos nós gostávamos do “puto”e nunca vi a causar qualquer tipo de problemas. Uma vez soube que ele iria começar a treinar numa equipa de juniores, que era uma categoria que não havia no clube da minha zona. Perguntei-lhe onde eram os treinos e combinei ir com ele. Eram no campo dos Ferroviários, ao lado da estação de Campanhã. Para quem não conhece o Porto, digo-vos que aquilo ficava do lado oposto da minha área de residência, na Boavista, e se não havia telemóveis, também ainda não havia metro. Os autocarros eram mais raros à noite o que se tornava complicado para cumprir horários em casa, pois os treinos começavam ao fim da tarde. Fui ter com o “puto” e a imagem que retenho na memória é a de chegar a um lugar escuro perto da estação. Era a primeira vez que via a estação à noite. Era triste e fria. Uma pequena luz iluminava o campo e “puto” fez-me sinal assim que o vi e apontou para o treinador. Fui falar com ele, mas o plantel já estava completo e não havia lugar para mim. Vim-me embora, nunca mais lá voltei e não fui jogar à bola numa equipa de competição. Passei a ir jogar aos domingos de manhã na a praia de Leça. O “puto”, esse, ficou por lá a jogar à bola e a correr muito. O “puto” tinha um nome. Eu chamava-o Sá. Lá na escola toda a gente o chamava Sá. Vocês também o conhecem: é o Ricardo Sá Pinto.

1 comentário: