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20090826

A real política ganha sempre

O primeiro-ministro inglês, Gordon Brown, combinou com o líder líbio, Moammar Kadhafi, a libertação de Abdelbaset Ali Mohamed al-Megrahi, o agente secreto detido na Escócia pelo atentado de Lockerbie. A conversa teve lugar em Itália, durante a cimeira do G8, seis semanas antes da libertação ter sido oficialmente anunciada pelo ministro da Justiça escocês, Kenny MacAskill. Este último, contudo, garante que decidiu tudo sozinho, sem qualquer pressão do governo central de Sua Majestade ou com receio de represálias económicas – como, por exemplo, a concessão da exploração do petróleo líbio à BP -, tendo justificado a libertação como um "acto de compaixão", pois o condenado apresentava um prognóstico médico de apenas três meses de vida.

Apesar das garantias do ilustre ministro da Escócia, não faltam evidências de que, nos bastidores, muito foi discutido. Numa carta escrita por Gordon Brown no dia da libertação de al-Megrahi e agora divulgada publicamente, o primeiro-ministro inglês lembrava ao líder líbio que, quando falaram em Itália, foi pedido, caso a justiça escocesa optasse pela libertação, que não houvesse qualquer tipo de manifestação de regozijo popular na Líbia por respeito para com as famílias das vítimas.

Nenhuma palavra foi dita no sentido de pedir a libertação, mas também nenhuma palavra foi proferida no sentido de a impedir. Gordon Brown, ele próprio natural da Escócia, ao reconhecer a possibilidade da libertação poder ocorrer e por isso ter tido o cuidado de pedir contenção nas celebrações – acto inútil, como se viu -, acabou por apoiar a decisão do ministro escocês.

Tudo isto é público e tudo isto se intuiu. Contudo, o que já não é tão público, é a notícia do "Sunday Times" da semana passada onde se revela que, caso o agente líbio não tivesse desistido de um recurso judicial – condição necessária à sua libertação por "compaixão" -, então uma das provas que a justiça escocesa iria ter de apreciar seria um documento de 1989, elaborado pela secreta dos EUA, onde se pormenorizavam as movimentações do Irão na encomenda, a terroristas sírios, de um atentado como retaliação ao derrube, cinco meses antes de Lockerbie, de um avião iraniano civil por um míssil disparado desde um porta-aviões norte-americano. Disparo esse, alegadamente, acidental. Em retrospectiva, os EUA nunca culparam os iranianos nem os operacionais sírios, pois, um ano mais tarde, em 1990, o pai Bush necessitou de garantir a neutralidade destes dois países quando invadiu o Iraque de Saddam Hussein na primeira guerra do Golfo. A Líbia, um pouco mais longe no mapa, surgiria depois como o alvo preferencial para as culpas de Lockerbie.

Vendo a história à luz deste último prisma, percebe-se melhor por que razão Kadhafi sabia que al-Megrahi iria ser libertado e por que não levou a sério o pedido de contenção de Gordon Brown. Entretanto, al-Megrahi diz-se inocente e, nos alegados três meses de vida que lhe restam, pretende escrever um livro a contar toda a verdade.

Um livro dá sempre jeito, mas não é Justiça. Nem para al-Megrahi, que assim nunca mais vai provar a presumível inocência em tribunal. Faz-me lembrar a história do casal inglês, autorizado a deixar Portugal pela sala VIP do aeroporto quando todas as provas eram suficientes para os colocar em prisão preventiva. Mais tarde, afastou-se da investigação o inspector da PJ que os queria prender e, por coincidência, conseguia-se a garantia de que o primeiro-ministro inglês assinaria o Tratado de Lisboa. O inspector da PJ demitiu-se e escreveu um livro onde contou toda a verdade. Mas, não foi suficiente para fazer Justiça.

Ganhou a real política.

Texto originalmente publicado no blogue Eleições 2009.

1 comentário:

  1. http://joana-morais.blogspot.com/2009/08/real-politics-always-wins.html

    bjs

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