Interrogatório a Charles Smith pelos investigadores ingleses ocorreu oito dias após encontro de José Sócrates com Gordon Brown onde se falou do Tratado de Lisboa e do caso McCann
A carta rogatória inglesa do Departamento de Investigação de Fraudes Graves (Serious Fraud Office - SFO), onde são mencionados os alegados encontros entre José Sócrates e os responsáveis do Freeport da Smith&Pedro, revela que o interrogatório à testemunha inglesa Charles Smith, em Inglaterra, a 17 de Julho de 2007, coincidiu com o auge da investigação do caso McCann em Portugal e as negociações do Tratado de Lisboa.
O caso Freeport fora uma questão abordada pela primeira vez na imprensa portuguesa durante a campanha eleitoral para as eleições antecipadas de Fevereiro de 2005. O semanário "Independente" publicou a primeira notícia na edição de 11 de Fevereiro de 2005 com o título "PJ investiga decisão de Sócrates", aludindo ao processo de Março de 2002 do licenciamento do outlet de Alcochete.
O semanário voltaria ao tema na semana seguinte, 18 de Fevereiro, com o título "Indesmentível", mostrando a cópia de um alegado documento interno de suspeitos da PJ onde figurava o nome de José Sócrates.
O caso, contudo, não prejudicou a imagem do então candidato a primeiro-ministro que, dois dias depois, conquistou a primeira maioria absoluta do partido fundado por Mário Soares, em 1973, na Alemanha.
De acordo com a carta inglesa agora tornada pública, ficou-se a saber que um DVD onde o intermediário inglês, Charles Smith, confessava ter dado dinheiro ao ministro do Ambiente de 2002, José Sócrates, e que a procuradora Cândida Almeida confessou em entrevista na RTP que nem sequer queria ouvi-lo - por não o considerar prova legal - foi gravado a 3 de Março de 2006, cerca de um ano depois da história ter sido tornada pública em Portugal. Nessa data, faltavam apenas três dias para a tomada de posse de Cavaco Silva como Presidente da República e o ambiente entre Belém e S. Bento não previa grandes nuvens de discórdia. O DVD foi gravado sem conhecimento de Charles Smith, mas este último, ainda de acordo com as datas apontadas pela carta do SFO, só foi interrogado formalmente em Londres a 17 de Julho de 2007, ou seja, dois anos após a primeira notícia de "O Independente" e um ano após a gravação do DVD.
Apesar das aparentes negações de Charles Smith, é evidente que o gabinete de investigação inglês - que depende directamente do primeiro-ministro britânico - achou que podia concentrar energias numa investigação ao então primeiro-ministro português. E é aqui que as atenções político/jurídicas se complicam.
No dia 17 de Julho de 2007 as relações entre Portugal e Inglaterra eram tudo menos pacíficas. A Imprensa portuguesa e inglesa partilhavam de um interesse comum: o caso do desaparecimento da menina inglesa na Praia da Luz, Madeleine McCann, que se arrastava desde 3 de Maio. Gordon Brown substituíra o primeiro-ministro Tony Blair a 27 de Junho e, oito dias dias antes do interrogatório a Charles Smith nas instalações do SFO, a 9 de Julho, José Sócrates encontrou-se com Gordon Brown em Londres na residência oficial do primeiro-ministro britânico, o número 10 de Downing Street.
A conversa entre ambos abordou a Presidência portuguesa da União Europeia - iniciada a 1 de Julho - e a assinatura do Tratado de Lisboa, o grande objectivo da nossa presidência. Para Sócrates era importante garantir a assinatura de Brown, mas para este último era também importante resolver o caso Madeleine McCann que, recorde-se, contava com o apoio pessoal e institucional do novo primeiro-ministro britânico que até disponibilizara um importante assessor de Imprensa, Clarence Mitchell, para acompanhar o casal McCann no Algarve.
Não se sabe até que ponto Gordon Brown terá sido informado pelo seu SFO - ou até pelos serviços secretos de Sua Majestade -, quanto às suspeitas que pairavam sobre o nosso primeiro-ministro. E apenas se pode especular até que ponto tais informações poderão ou não ter servido de "moeda de troca" nas negociações políticas e judiciais entre Portugal e Inglaterra. O certo é que, duas semanas depois do interrogatório a Charles Smith pelo SFO, a vida dos McCann em Portugal tornava-se mais dífícil: os cães enviados de Inglaterra detectavam vestígios de sangue no apartamento na Praia da Luz de onde desaparecera Madeleine McCann e também odor a cadáver nas roupas da mãe da menina. Os McCann acabariam por ser declarados arguidos no início de Setembro de 2007 e, a 9 de Setembro, abandonavam Portugal.
Quando parecia que a investigação judicial em Portugal contra o casal inglês iria conduzir a uma acusação formal, eis que, a 2 de Outubro de 2007, foi afastado o coordenador do caso, Gonçalo Amaral. O afastamento do homem que sempre desconfiara do envolvimento do casal McCann no desaparecimento da filha, ocorreu no mesmo dia em que Gordon Brown anunciava a Sócrates que aceitaria assinar o Tratado de Lisboa.
Sobre a coincidência da sua demissão e a aceitação de Gordon Brown em assinar o Tratado de Lisboa, escreveu Gonçalo Amaral no seu livro "A Verdade da Mentira": "No fundo, era o desfecho de uma campanha de difamação do caso Madeleine, orquestrada e desenvolvida por meios de comunicação social britânicos, quase a partir do momento em que se iniciaram as investigações. A estratégia era simples, ataca-se a investigação, colocando-se em causa os seus operacionais ao mesmo tempo que se considera Portugal um país do terceiro mundo, com um sistema judicial e policial completamente ultrapassado devido aos seus métodos quase da idade média. Do Reino Unido chegavam outro tipo de notícias. O primeiro-ministro britânico teria telefonado ao Prior Stuart, responsável da polícia de Leicestershire, perguntando-lhe se confirmava a demissão do coordenador operacional da investigação. Desconhecemos a razão de tal interesse em tão humilde funcionário público português, por parte do primeiro-ministro inglês. Nem queremos acreditar no que correu nos bastidores do Tratado de Lisboa sobre a necessidade de confirmação da demissão do coordenador operacional da investigação antes de se dispor a assinar o dito tratado. Boatos, decerto, e nada mais".
A 19 de Outubro, dias depois do afastamento de Gonçalo Amaral - que na prática "matava" a investigação aos McCann - Sócrates festejou com os principais líderes europeus o acordo final para a assinatura do Tratado de Lisboa (que viria a ser formalmente assinado a 13 de Dezembro). Foi notória a celebração com Gordon Brown, enquanto o Ministério Público português se revelara dócil para com cidadãos ingleses e a PJ aceitara cair sobre a espada.
Os outros financiamentos secretos ao PS
Os financiamentos secretos ao PS são já um tema antigo.
A 3 de Março de 1975, nove dias antes do golpe do 11 de Março de 1975 que provocaria as nacionalizações e o Verão Quente - que culminaria com o 25 de Novembro - já o vespertino "A Capital" dava conta "um pesado apoio financeiro" da então República Federal da Alemanha e Estados Unidos destinados "sobretudo à ala de direita do partido de Mário Soares". Ainda de acordo com o artigo de "A Capital", o homem que iria receber o dinheiro vindo do estrangeiro seria o então secretário de Estado das Finanças, Vítor Constâncio, actual governador do Banco de Portugal. O objectivo destes apoios visavam sobretudo impedir que o PS algum dia viesse a coligar-se com o PCP para formar governo em Portugal. Algo que, até hoje nunca aconteceu - e é ainda um dogma da actual democracia, bastando para tal recordar que o ex-secretário-geral do PS, Ferro Rodrigues, quando prestou declarações no DIAP, em 2003, aquando interrogatório no âmbito do processo da Casa Pia, afirmou que se sentia atacado por ter defendido uma aproximação do PS à esquerda.
Uma outra notícia polémica envolvendo dinheiros obscuros para o PS foi divulgada em Maio de 1994, quando se soube que o ex-Presidente da Venezuela, Carlos Andréz Perez, confessou que uma "conta secreta" do governo da Venezuela servira igualmente para ajudar o PS de Mário Soares pouco depois da Revolução dos Cravos.
(Jornal de Notícias, 22 de Maio de 1994)
Outras fontes de rendimento secreto e ilegal para o PS foram ainda referenciadas na antiga colónia chinesa de Macau. O caso nunca foi comprovado jornalisticamente, mas foi abordado num romance de ficção da autoria do jornalista João Paulo Menezes intitulado "A Árvore das Patacas". João Paulo Menezes, em entrevista na altura do lançamento do livro, afirmou: "A partir de uma certa altura (quando percebi que não conseguiria investigar jornalisticamente mais), desisti de saber a verdade. Afinal, estamos a falar de um romance! Se calhar, algumas das coisas que apresento como ficção até aconteceram…". Se calhar, se calhar, um dia ainda haverá um outro romance intitulado: "A Árvore das Patacas Mudou-se para Alcochete".
já que reuniu tanta informação, incluindo as 3 digitalizações do Apdeites, talvez a "carta rogatória" publicada pelo Expresso faça também jeito: http://downloadsexpresso.aeiou.pt/expressoonline/PDF/CartaRogatoriaFreeport_300109.pdf
ResponderEliminarAi que desperdício de informação num blog.
ResponderEliminarmas não haverá nenhum jornalista que consiga publicar estas informações num jornal?
É triste que o jornalismo de investigação tenha desaparecido em Portugal e que estejamos restritos aos blogs...
Nesse aspecto (o dos patrocinios de partidos e campanhas politicas) o CDS é muito mais honesto com os nomes de quem o apoia financeiramente, ainda me recordo do Jacinto Leite Capelo Rego.
ResponderEliminarSó falta neste artigo esse manual de iniciação ao financiamento partidário chamado "Contos Proibidos – Memórias de um PS desconhecido" de Rui Mateus .
ResponderEliminarMas é preciso ver que os partidos políticos gastam biliões em propaganda para conseguir enganar o pessoal. Se não fossem corruptos iam à falência.
Apenas um pequeno detalhe: a presidencia portuguesa da UE iniciou-se a 1 de Julho, nao a 1 de Junho de 2007.
ResponderEliminarDe resto, parabens pelo artigo e quem quiser, que acredite em coincidencias: (ainda) vivemos num pais livre.
Não os deixam escrever Caro Anónimo!
ResponderEliminarNão é Fred?