Quaresma, o outro
Nos 120 anos do nascimento de Fernando Pessoa, digo que este era Abílio Quaresma, o decifrador. As novelas policiárias do poeta são, para mim, mais reveladoras da personalidade do escritor e, sobretudo, bem mais empolgantes do que muitos dos poemas. Estou fã deste livro, que nos transporta para um campo lógico e racional tão ao estilo do que Arthur Conan Doyle fez com Sherlock Holmes.... ...
O médico Abílio Quaresma, bêbado, magro, fumador compulsivo, morador na Rua dos Fanqueiros, é o próprio Fernando Pessoa numa outra faceta até hoje quase desconhecida. Estas são as histórias policiárias que ele "ia escrevendo", tendo ficado, infelizmente, incompletas como tais, mas suficientemente reveladoras da essência do autor. Para que julguem sobre o valor das mesmas, deixo-vos alguns exemplos das entradas fulgurantes de Abílio Quaresma:
(...)
"- Já sabemos por que se suicidou.
- Já sabem? O dr. Quaresma sorriu.
- Já. Porquê?
-É porque se já sabem, não sabem, respondeu o dr. Quaresma."
(...)
"- Quero trazer a este Juízo de Instrução a solução do caso Vargas. Supus que ele a não tivesse. Já sei que a não tem. Acho de meu dever - dever, aliás, mais intelectual do que moral..., trazê-la."
(...)
- Julga-nos então V.ª Ex.ª tão pouco inteligentes?
Quaresma encolheu de leve os ombros. O vago gesto continha um vago sim.
- Não julgo. Julgo-os simplesmente pouco habituados ao resolver de problemas difíceis. Não é deficiência de inteligência; é quanto muito, uma deficiência da educação dela.
- Bem, disse o juiz, numa voz lenta, o que é que V.ª Ex.ª nos vem ensinar, sr. dr. Abílio Quaresma?
- A verdade, respondeu o dr. Quaresma. (...)"
(...)
- O processo para fazer confessar a um homem como o Borges é o da tortura. Como hoje não há tortura física, ou não deve haver, o recurso é aplicar a tortura mental.
- A tortura mental? O tortura mental como? Isso também não soa muito bem...
- Talvez me explique melhor se disser 'a tortura intelectual'".
(...)
"O sr. julga que as minhas investigações são investigações por assim dizer físicas, que sigo gente, e examino o local do crime, e tomo medidas no chão. Não é nada disso. Eu resolvo os problemas, em geral, sentado numa cadeira, em minha casa ou noutra parte qualquer onde me possa encostar confortavelmente, fumando os meus charutos Peraltas, e aplicando ao estudo do crime praticado aquele raciocínio de natureza abstracta que foi o triunfo dos escolásticos e é a glória bizantina dos homens que argumentam sobre puras futilidades."
(...)
"Eu, que sou por índole um subjectivo e um raciocinador, (nasci assim) emprego como método sempre, em todos os casos, o raciocínio, o raciocínio puro e simples, desacompanhado de observação ou de qualquer coisa comparável à experimentação - só o raciocínio, o raciocínio apenas. Parto de um ou dois factos simples, que começo por assentar, que começo, só pelo raciocínio, por verificar que são realmente factos; e daí, de olhos fechados, sozinho com análise e com a síntese, parto à descoberta da verdade. Salvo casos especiais - pouquíssimos na minha vasta experiência de pensador intuil - acerto sempre, e acerto porque nunca faço senão raciocinar, nunca me desvio do meu caminho interior."
(...)
"- Até ao aparecimento desse facto, eu estava vendo razoavelmente claro no problema. Depois de saber esse facto...
- Perdeu a pista de todo?... interrompeu o comendador.
- Não: resolvi o problema por completo."
(...)
- Se V.ª Ex.ª me dá licença, sr. doutor, como é que adivinha isso?
- Adivinhar? Não adivinho. Nunca adivinho. Não sei nem adivinhar... Tenho os factos, analiso-os, tiro as conclusões. A isso não se chama adivinhar."
O médico Abílio Quaresma, bêbado, magro, fumador compulsivo, morador na Rua dos Fanqueiros, é o próprio Fernando Pessoa numa outra faceta até hoje quase desconhecida. Estas são as histórias policiárias que ele "ia escrevendo", tendo ficado, infelizmente, incompletas como tais, mas suficientemente reveladoras da essência do autor. Para que julguem sobre o valor das mesmas, deixo-vos alguns exemplos das entradas fulgurantes de Abílio Quaresma:
(...)
"- Já sabemos por que se suicidou.
- Já sabem? O dr. Quaresma sorriu.
- Já. Porquê?
-É porque se já sabem, não sabem, respondeu o dr. Quaresma."
(...)
"- Quero trazer a este Juízo de Instrução a solução do caso Vargas. Supus que ele a não tivesse. Já sei que a não tem. Acho de meu dever - dever, aliás, mais intelectual do que moral..., trazê-la."
(...)
- Julga-nos então V.ª Ex.ª tão pouco inteligentes?
Quaresma encolheu de leve os ombros. O vago gesto continha um vago sim.
- Não julgo. Julgo-os simplesmente pouco habituados ao resolver de problemas difíceis. Não é deficiência de inteligência; é quanto muito, uma deficiência da educação dela.
- Bem, disse o juiz, numa voz lenta, o que é que V.ª Ex.ª nos vem ensinar, sr. dr. Abílio Quaresma?
- A verdade, respondeu o dr. Quaresma. (...)"
(...)
- O processo para fazer confessar a um homem como o Borges é o da tortura. Como hoje não há tortura física, ou não deve haver, o recurso é aplicar a tortura mental.
- A tortura mental? O tortura mental como? Isso também não soa muito bem...
- Talvez me explique melhor se disser 'a tortura intelectual'".
(...)
"O sr. julga que as minhas investigações são investigações por assim dizer físicas, que sigo gente, e examino o local do crime, e tomo medidas no chão. Não é nada disso. Eu resolvo os problemas, em geral, sentado numa cadeira, em minha casa ou noutra parte qualquer onde me possa encostar confortavelmente, fumando os meus charutos Peraltas, e aplicando ao estudo do crime praticado aquele raciocínio de natureza abstracta que foi o triunfo dos escolásticos e é a glória bizantina dos homens que argumentam sobre puras futilidades."
(...)
"Eu, que sou por índole um subjectivo e um raciocinador, (nasci assim) emprego como método sempre, em todos os casos, o raciocínio, o raciocínio puro e simples, desacompanhado de observação ou de qualquer coisa comparável à experimentação - só o raciocínio, o raciocínio apenas. Parto de um ou dois factos simples, que começo por assentar, que começo, só pelo raciocínio, por verificar que são realmente factos; e daí, de olhos fechados, sozinho com análise e com a síntese, parto à descoberta da verdade. Salvo casos especiais - pouquíssimos na minha vasta experiência de pensador intuil - acerto sempre, e acerto porque nunca faço senão raciocinar, nunca me desvio do meu caminho interior."
(...)
"- Até ao aparecimento desse facto, eu estava vendo razoavelmente claro no problema. Depois de saber esse facto...
- Perdeu a pista de todo?... interrompeu o comendador.
- Não: resolvi o problema por completo."
(...)
- Se V.ª Ex.ª me dá licença, sr. doutor, como é que adivinha isso?
- Adivinhar? Não adivinho. Nunca adivinho. Não sei nem adivinhar... Tenho os factos, analiso-os, tiro as conclusões. A isso não se chama adivinhar."
Etiquetas: Abílio Quaresma, Fernando Pessoa
1 Comentários:
O mesmo tipo de personagem que Nero Wolfe.
Curioso tendo em conta que os autores tinham 2 anos de diferenca.
Vou ler.
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