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20080305

Pacheco Pereira, o director

Não, Pacheco Pereira não vai ser o novo director da Focus... Entenda-se que refiro-me ao facto do comentador político ter sido o director da edição de hoje do diário "Público", que assinala assim os 18 anos de vida (parabéns) - O jornal surgiu na altura em que eu terminava o ensino secundário e alimentava a ideia de seguir o curso de jornalismo, pelo que me recordo muito bem daqueles primeiros anos. Ainda por cima a sede social do jornal e a redação do Porto ficavam pertíssimo do liceu onde estudava. Nunca tive a oportunidade de trabalhar neste diário, pois acabei por conseguir encaixar-me como estagiário - remunerado, imagine-se! - no histórico "O Primeiro de Janeiro". Contudo, conheci bem o ambiente do "Labirinto", o bar onde à noite se podia ler a primeira página do "Público" do dia seguinte. Adiante - Foi com alguma supresa que abri a edição de hoje e deparei-me com duas páginas compostas de um estranho gráfico que serpenteava de um lado ao outro: "Mas que confusão!", pensei para comigo. Depois de estranhar, obviamente que entranhei toda a informação que estava naquele gráfico que explicava a cronologia do processo do Casino de Lisboa. "Ora aí está algo bem feito", conclui. Na página 15 pude ler a explicação da existência daquele gráfico:

"Quero tudo sobre a história do Casino! Todos os documentos que for possível encontrar!" Agora, Pacheco Pereira é director. Está na reunião matinal de editores. "Temos de usar os arquivos. Vamos fazer a anatomia de um processo de decisão". É a proposta para o Destaque.
A editora de Portugal põe objecções. "Um processo de decisão não é uma notícia". Para o novo director, é. Ele não é jornalista. É historiador, só pensa no futuro.
"Cada vez mais, o Estado negoceia com os privados, e isso não é escrutinado", explica ele. "Os jornalistas têm de o fazer. Todos temos de o fazer".
Aparentemente, não há nenhum dado novo sobre o caso de Telmo Correia e o casino de Lisboa. Logo, não há notícia. Ou há? A sugestão de Pacheco Pereira: fazer uma cronologia relacional, exaustiva de todo o processo. Reunir todos os documentos, todas as datas, todas as declarações, todas as notícias dos jornais, e com isso desenhar um gráfico, um mapa. Depois procurar as falhas, os espaços em branco, os dados contraditórios. No fim, extrair conclusões. Verdades até então ocultas: notícias.
É um método da ciência histórica


Quando li estas linhas fiquei abismado. Teve de ser o Pacheco Pereira a explicar o óbvio... Imaginei o choque de Pacheco Pereira quando a editora lhe disse que aquilo não era notícia. Naquela altura, deve-lhe ter passado pelos olhos toda a vida e, finalmente, compreendeu a razão pela qual muitos leitores se estão a afastar dos jornais. Quantas vezes não falei eu já aqui da necessidade do "jornalismo científico"?

Mas a coisa não se ficou por aqui:

O Ricardo Felner está todo o dia a recolher documentos, em arquivos, em bases de dados, no Diário da República. Despachos, decretos-lei, mais de sete mil recortes de imprensa. Ele, que segue o caso desde o início, já tinha visto tudo aquilo. Mas não tudo aquilo junto. Aquele parecer de Telmo Correia, por exemplo. Só agora, que o compara com as datas das mensagens telefónicas, percebe que não bate certo. Não pode ter sido assinado naquela altura...

Uau! Uma reportagem a sério feita na base do cruzamento de dados de arquivos! Ena pá... Olha outra coisa que já poucos fazem...

Mas, há mais:

Por exemplo, o acidente com o Ferrari, no Porto. "Isto não tem nada a ver com os crimes no resto do país. No Porto, a criminalidade está relacionada com um determinado ambiente..."
Na reunião da tarde, chega a informação de que, afinal, foi mesmo um acidente. O director não diz nada. Parece decepcionado, mas conforma-se. A realidade não confirma a hipótese, paciência: era um simples facto avulso. E continua a busca. A busca de sentido. "A manchete é o casino!"
Surgem dúvidas: "Terá ele informação privilegiada? Mandou fazer o gráfico do casino porque já sabia que se ia encontrar qualquer coisa?"
Se for o caso, terá interferido na História. Terá mudado o passado: a tentação do historiador. Mas esta notícia tem futuro. A do Porto, talvez não, mas ainda assim é uma história: "Faz-se um perfil do homem do Ferrari. As pessoas gostam de ler essas coisas".


Meus senhores, o Pacheco Pereira é homem do Porto - embora a irmã Beatriz diga que às vezes ele esquece-se (isso virá na Focus da próxima semana) -, por isso sabe bem do que aquela gente é capaz. Ele também não é parvo e sabe que houve ali marosca, mas se a PJ garante que foi acidente... para já espera-se. É que a PJ também está a considerar a hipótese da morte de um segurança do Centro Comercial Colombo com três facadas de ponta e mola no peito poderá ter sido suicídio*, por isso... tá quieto ò menino! Agora, insinuar que tinha informações privilegiadas para a reportagem do Casino quando o que ele pediu que se fizesse foi algo tão natural do ponto de vista jornalístico, é mesmo de baixo nível. Mas eu entendo, pois ainda há alguns jornalistas com carteira que fazem precisamente o contrário: ocultam informações privilegiadas por conveniência. E que só falam quando lhes interessa...
Pacheco Pereira, num único dia, mostrou o que pode fazer um bom director quando se cumprem regras básicas do jornalismo. Ele hoje salvou o emprego a muitos dos jornalistas do "Público".
Por mim, não me importava nada de o ter como próximo director da Focus.

*"Três golpes de faca no peito terão provocado a morte ao homem de 35 anos que trabalhava para a empresa de segurança Charon. A Polícia Judiciária já está a investigar este caso, não sabendo ainda esclarecer se terá sido suicídio ou homicídio. De acordo com fonte policial, a faca foi encontrada junto ao corpo da vítima".

1 comentário:

  1. "Um processo de decisão não é uma notícia".
    Incrível!!! Por isto se vê que a função de muitos editores e "jornalistas" não é investigar mas sim ocultar. O próprio Pacheco também só vê o que quer.

    E esse homícidio passou rapidamente a «suicídio» porque, segundo a voz oficial, não existem homicídios no centro comercial Colombo.

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