Blogue do jornalista Frederico Duarte Carvalho, com coisas que tanto faz que se saibam porque em nada servem para o que sabemos. e-mail: paramimtantofaz@gmail.com
UMA CERTA madrugada Eu por um caminho andava Não sei bem se estava bêbedo Ou se tinha a morte n’alma Não sei também se o caminho Me perdia ou encaminhava Só sei que a sede queimava-me A boca desidratada. Era uma terra estrangeira Que me recordava algo Com sua argila cor de sangue E seu ar desesperado. Lembro que havia uma estrela Morrendo no céu vazio De uma outra coisa me lembro: ... Un horizonte de perros Ladra muy lejos del río... De repente reconheço: Eram campos de Granada! Estava em terras de Espanha Em sua terra ensangüentada Por que estranha providência Não sei... não sabia nada... Só sei da nuvem de pó Caminhando sobre a estrada E um duro passo de marcha Que eu meu sentido avançava. Como uma mancha de sangue Abria-se a madrugada Enquanto a estrela morria Numa tremura de lágrima Sobre as colinas vermelhas Os galhos também choravam Aumentando a fria angústia Que de mim transverberava.
Era um grupo de soldados Que pela estrada marchava Trazendo fuzis ao ombro E impiedade na cara Entre eles andava um moço De face morena e cálida Cabelos soltos ao vento Camisa desabotoada. Diante de um velho muro O tenente gritou: Alto! E à frente conduz o moço De fisionomia pálida. Sem ser visto me aproximo Daquela cena macabra Ao tempo em que o pelotão Se punha horizontal.
Súbito um raio de sol Ao moço ilumina a face E eu à boca levo as mãos Para evitar que gritasse. Era ele, era Federico O poeta meu muito amado A um muro de pedra-seca Colado, como um fantasma. Chamei-o: Garcia Lorca! Mas já não ouvia nada O horror da morte imatura Sobre a expressão estampada... Mas que me via, me via Porque eu seus olhos havia Uma luz mal-disfarçada.
Com o peito de dor rompido Me quedei, paralisado Enquanto os soldados miram A cabeça delicada.
Assim vi a Federico Entre dois canos de arma A fitar-me estranhamente Como querendo falar-me Hoje sei que teve medo Diante do inesperado E foi maior seu martírio Do que a tortura da carne. Hoje sei que teve medo Mas sei que não foi covarde Pela curiosa maneira Com que de longe me olhava Como quem me diz: a morte É sempre desagradável Mas antes morrer ciente Do que viver enganado.
Atiraram-lhe na cara Os vendilhões de sua pátria Nos seus olhos andaluzes Em sua boca de palavras. Muerto cayó Federico Sobre a terra de Granada La tierra del inocente No la tierra del culpable. Nos olhos que tinha abertos Numa infinita mirada Em meio a flores de sangue A expressão se conservava Como a segredar-me: A morte É simples, de madrugada...
7 Comentários:
Em grande estilo hein?
Não perca a pedalada agora que lhe estão a dar com os holofotes.
Dê-lhes com força tambem.
(outro abraço)
Só tenho uma coisa a dizer:
UAU a essa mão no queixo!
Estás bonito!
Deves andar todo inchado. Fazes bem. Espero que este mediatismo todo também faça vender os livros.
Um abraço
JLD
Vinícius De Moraes
A Morte de Madrugada
"Muerto cayó Federico"
ANTONIO MACHADO
UMA CERTA madrugada
Eu por um caminho andava
Não sei bem se estava bêbedo
Ou se tinha a morte n’alma
Não sei também se o caminho
Me perdia ou encaminhava
Só sei que a sede queimava-me
A boca desidratada.
Era uma terra estrangeira
Que me recordava algo
Com sua argila cor de sangue
E seu ar desesperado.
Lembro que havia uma estrela
Morrendo no céu vazio
De uma outra coisa me lembro:
... Un horizonte de perros
Ladra muy lejos del río...
De repente reconheço:
Eram campos de Granada!
Estava em terras de Espanha
Em sua terra ensangüentada
Por que estranha providência
Não sei... não sabia nada...
Só sei da nuvem de pó
Caminhando sobre a estrada
E um duro passo de marcha
Que eu meu sentido avançava.
Como uma mancha de sangue
Abria-se a madrugada
Enquanto a estrela morria
Numa tremura de lágrima
Sobre as colinas vermelhas
Os galhos também choravam
Aumentando a fria angústia
Que de mim transverberava.
Era um grupo de soldados
Que pela estrada marchava
Trazendo fuzis ao ombro
E impiedade na cara
Entre eles andava um moço
De face morena e cálida
Cabelos soltos ao vento
Camisa desabotoada.
Diante de um velho muro
O tenente gritou: Alto!
E à frente conduz o moço
De fisionomia pálida.
Sem ser visto me aproximo
Daquela cena macabra
Ao tempo em que o pelotão
Se punha horizontal.
Súbito um raio de sol
Ao moço ilumina a face
E eu à boca levo as mãos
Para evitar que gritasse.
Era ele, era Federico
O poeta meu muito amado
A um muro de pedra-seca
Colado, como um fantasma.
Chamei-o: Garcia Lorca!
Mas já não ouvia nada
O horror da morte imatura
Sobre a expressão estampada...
Mas que me via, me via
Porque eu seus olhos havia
Uma luz mal-disfarçada.
Com o peito de dor rompido
Me quedei, paralisado
Enquanto os soldados miram
A cabeça delicada.
Assim vi a Federico
Entre dois canos de arma
A fitar-me estranhamente
Como querendo falar-me
Hoje sei que teve medo
Diante do inesperado
E foi maior seu martírio
Do que a tortura da carne.
Hoje sei que teve medo
Mas sei que não foi covarde
Pela curiosa maneira
Com que de longe me olhava
Como quem me diz: a morte
É sempre desagradável
Mas antes morrer ciente
Do que viver enganado.
Atiraram-lhe na cara
Os vendilhões de sua pátria
Nos seus olhos andaluzes
Em sua boca de palavras.
Muerto cayó Federico
Sobre a terra de Granada
La tierra del inocente
No la tierra del culpable.
Nos olhos que tinha abertos
Numa infinita mirada
Em meio a flores de sangue
A expressão se conservava
Como a segredar-me: A morte
É simples, de madrugada...
Divinal.
(o poema e a dedicatória.E...sim,
que as manhãs lhe apareçam serenas.)
todo janota.... vai uma pessoa pedalar para as serranias e perde estas coisas....
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