20050722

Postal para Londres

Querida Londres,

Hoje mataram aí uma pessoa.
Calculo que a ti pouco te diga, pois ainda há dias morrerem muitas mais pessoas. E que eram inocentes.
Este ser humano que hoje mataram poderia muito bem não ser um humano, mas um terrorista com intenções criminosas. Sim, é verdade, porém foi a polícia quem o matou. Com cinco tiros.
"Foi para salvar vidas inocentes", respondes-me tu com toda aquela razão que se te assiste, porque viste há dias, olhos nos olhos, o horror de quem só queria ir de casa para o trabalho e regressar seguro ao fim do dia para abraçar os seus filhos.
Nada poderá perdoar quem matou aqueles, nada perdoaria este homem que hoje mataram caso ele decidisse fazer-se explodir no meio de gente inocente.
Acontece, Londres, que já não há inocentes nem culpados. Isso é válido para todos, desde Nova Iorque, Madrid, Karachi, Istambul, Moscovo, Pequim, Bagdade e Teerão. Paris e Berlim e até Lisboa também não se pense que estão excluídos da lista de culpados.
Londres, sabes bem que a liberdade e a democracia só sobrevivem quando existem sem serem evocadas, porque são tão naturais como o acto de respirar.
Se queres dar mais força aos teus serviços secretos, Londres, se queres perseguir os teus filhos de tez mais escura, então Londres estás a ajudar os teus filhos mais podres, aqueles que manipulam a democracia e dizem que todos nós precisamos de mais segurança apenas porque há alguns que não gostam do nosso estilo de vida ou do nosso Deus e de todos os nossos santos...
Londres, não te deixes cair na mesma armadilha de Nova Iorque e Madrid. Amanhã dizem que vai ser Roma ou que S. Francisco irá sucumbir a uma explosão atómica a 6 de Agosto à custa do 60º aniversário de Hiroshima.
O mal está dentro de ti, Londres, no interior dos teus belos palácios, na gente que usa gravata e não nos anónimos escravos que andam de metro de casa para o trabalho e que mal têm tempo para amarem os seus filhos. Gente que é comandada pelo medo... Sem liberdade, sem democracia, apenas com aparências...
O mal não se extermina, pois ele é necessário para sabermos o que é bom. Bom é sabermos não fazer o mal e ensinarmos isso aos nossos filhos. Bom seria uma democracia sem serviços secretos, onde os governantes fossem os primeiros a darem o exemplo do que é ser bom. Como o Ghandi, que defendia a resistência passiva. Bom seria termos uma polícia atenta ao que é o bom e que não combata o mal como quem apaga um fogo com gasolina. Bom seria também termos jornalistas inteligentes, informados e atentos.
Que belo mundo poderíamos ter...

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