Caro estrangeiro,
A campanha eleitoral já passou o Carnaval.
O primeiro-ministro, Pedro Santana Lopes, que também é candidato a primeiro-ministro pelo Partido Social Democrata (PSD), foi de avião do Estado até uma base militar para anunciar que essa base, no futuro, vai também passar a poder receber aviões civis.
Um autarca local, que também é do PSD, disse que essa medida iria permitir um aumento de turistas. E repara que não é uma terra qualquer, uma vez que fica perto de Fátima, que, concerteza já deves ter ouvido falar, pois é um santuário religioso desde que, em 1917, três pastorinhos viram a Virgem Maria em cima de uma azinheira.
O líder do Partido Socialista (PS), José Sócrates, que não santinho nenhum, obviamente que aproveitou esta acção do candidato a primeiro-ministro, classificando-a de acto eleitoralista.
Pedro Santana Lopes, que chamou no dia seguinte os jornalistas à sua residência oficial de primeiro-ministro, explicou que durante o Carnaval não faz campanha eleitoral e aquela visita fora mesmo necessária.
A notícia mais importante, contudo, aconteceu quando um jornal chamado "Público" noticiou que o antigo primeiro-ministro e membro do PSD, Cavaco Silva, que foi primeiro-ministro entre 1985 e 1995 (sim, isso mesmo, durante dez anos seguidos...), prefere que seja o adversário PS a ganhar as eleições e com maioria absoluta...
Cavaco Silva terá depois desmentido a notícia, mas o mesmo jornal publica hoje uma manchete que diz: "Cavaco Silva tentou evitar vitimização de Santana Lopes - Ex-primeiro-ministro mantém silêncio até dia 20 para não prejudicar PSD mas prevê vitória do PS".
Fica a saber, caro estrangeiro, que aquilo que o "Público" disse não é mentira. Mas, também não é uma novidade para ninguém. A novidade é o "Público" noticiar algo sem identificar a fonte e pensarem que os leitores são estúpidos, uma vez que até eu, há umas semanas, escrevi na nova revista onde trabalho, a "tvTOP!", que Cavaco Silva, desde que abandonou a liderança do seu partido, já "traíu" publicamente dois líderes do PSD. E citei mesmo fontes. Uma delas, por exemplo, foi uma edição de 1995 do referido diário...
O primeiro líder do PSD a ser "traído" chamava-se Fernando Nogueira, e tinha sido ministro da Defesa de Cavaco Silva. Esse Fernando Nogueira, que está hoje afastado da política e vive em Paris, foi eleito sucessor de Cavaco Silva e iria disputar as eleições de Outubro de 1995 contra o então líder do PS, António Guterres.
Acontece que, em Janeiro de 1996, iria haver eleições presidenciais e dizia-se que Cavaco Silva queria ser candidato, mas não iria assumir publicamente essa vontade enquanto não fosse escolhido o novo primeiro-ministro.
Também nessa altura se dizia que, caso o vencedor das eleições fosse Fernando Nogueira, então Cavaco Silva dificilmente poderia vir a ser eleito, uma vez que a sua imagem andava bastante desgastada e o País queria mudança e estava cansado do seu rosto autoritário e sem graça. Coisas que já esquecemos, mas a vida é mesmo assim, uma vez que os portugueses, apesar de ser um povo com 800 anos de História, só têm uma capacidade de retenção de factos de apenas dois meses.
Explico-te que, uma semana antes das eleições de Outubro de 1995 que iriam eleger o novo primeiro-ministro, Fernando Nogueira disse aos jornalistas que já conhecia a decisão de Cavaco Silva sobre as eleições presidenciais de Janeiro de 1996. Já a conhecia, mas não iria, obviamente, revelá-la.
Cavaco Silva, contudo, sem avisar Fernando Nogueira, desmentiu publicamente aos jornalistas que alguma vez tivesse revelado a sua posição ao novo líder do PSD...
Foi um "assassinato político" e Fernando Nogueira perdeu as eleições para António Guterres.
Resta dizer-te, caro estrangeiro, que, em Janeiro, apesar de tudo, Cavaco Silva não foi eleito Presidente da República, mas sim o antigo líder do PS, Jorge Sampaio, que era presidente da Câmara de Lisboa, e que ainda hoje é o actual Presidente da República.
Santana Lopes nunca foi tido em grande consideração por Cavaco Silva. O actual primeiro-ministro fez parte do governo de Cavaco Silva, mas nunca foi elevado à categoria de ministro, tendo-se ficado apenas pelo cargo de secretário de Estado da Cultura.
Há umas semanas, Cavaco Silva não autorizou que uma foto sua figurasse num cartaz da campanha eleitoral de Santana Lopes. Foi outra "traição". Agora, junta-se esta notícia do "Público". Uma notícia que não identifica a fonte (não, o "Público", embora até possa parecer, não é tido como um jornal sensionalista. Poderás estar a confundir, caro estrangeiro, pois eu é que trabalhava num semanário que era conotado com essa área. Sim, eu sei, parece que anda tudo ao contrário...)
Conclusão (que esta carta já vai longa e ainda te perdes nos detalhes): com amigos daqueles dentro do próprio partido, Santana Lopes não precisa de ter adversários fortes no lado do PS. Por isso é que este País está a ir pelo cano, uma vez que até há jornais ditos sérios que alinham neste jogo da baixa política...
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