Ainda a propósito da proposta de Mário Soares sobre a possibilidade de negociações com terroristas, lembro aqui mais alguns detalhes sobre a negociação secreta entre Portugal e o PAIGC, pouco antes do 25 de Abril de 1974.
Já aqui contei como o então cônsul português em Milão, José Manuel Villas-Boas, se encontrou com elementos do PAIGC em Londres, em Março de 1974.
Já dei a conhecer a versão saída do livro do diplomata sobre como Mário Soares, quando chegou a ministro dos Negócios Estrangeiros, tratou o assunto.
Agora, o que ainda não contei, é como essa história chegou ao conhecimento público através de uma reportagem do "Expresso", em Março de 1994.
Na pág. 110 do seu livro "Caderno de Memórias", da Temas e Debates, de Abril de 2003, Villas-Boas explica que quando o semanário "Expresso" lhe pediu para participar na reconstituição desse encontro em Londres, este solicitou a devida autorização ao seu ministro.
Embora o embaixador não o diga no seu livro, esse ministro, em 1994, era obviamente o actual primeiro-ministro, José Manuel Durão Barroso.
E conta Villas- Boas (que em 1994 era embaixador português em Moscovo), que o ministro telefonou-lhe a sugerir que esquecesse o pedido do "Expresso", porque "considerava preferível não chamar a atenção para o caso".
Quer isto dizer que, para Durão Barroso, o povo português não tinha direito a conhecer a verdade sobre os acontecimentos históricos que influiram na construção da nossa democracia...
Mas, apesar da recusa de Durão Barroso, o embaixador acabou mesmo por aparecer nas páginas do "Expresso", oficializando assim o episódio.
O que contribuiu para este desfecho?
Quem foi a alma caridosa que acabou por dar autorização para que tal acontecesse?
Villas-Boas explica-nos: "Qual não é a surpresa quando, algum tempo depois, venho a saber que, levado ao conhecimento do primeiro-ministro Cavaco Silva, este dera o seu consentimento ao plano do 'Expresso'. Assim se fez".
Foi, portanto, Cavaco Silva quem deu a autorização final para que este episódio da História de Portugal tivesse a sua confirmação oficial, por parte do diplomata envolvido nas negociações secretas com o PAIGC antes do 25 de Abril.
Porquê?
Seria porque Cavaco tinha o devido sentido da História e compreendia como isso seria importante para o futuro de todos nós?
A última peça do "puzzle" vem no segundo volume da biografia de Cavaco Silva, também na Temas e Debates, onde, na pág. 426, debaixo do título "1994: o auge da tensão" (entre Cavaco e Soares, leia-se), o antigo primeiro-ministro escreveu isto:
"Foi passageira a irritação de Mário Soares com o ministro dos Negócios Estrangeiros pelo facto de ele ter autorizado, com o meu acordo, o embaixador de Portugal em Moscovo, José Manuel Villas-Boas, a deslocar-se a Londres para participar na reconstituição, promovida pelo semanário Expresso, do seu encontro secreto, em Março de 1974, com os representantes do Governo da Guiné-Bissau no exílio. Tinha sido encaregado por Marcello Caetano de negociar a independência da Guiné-Bissau, para pôr fim à guerra que grassava naquela ex-colónia. Mário Soares não terá gostado da reportagem publicada pelo Expresso, nos vinte anos da missão secreta do embaixador, confirmando que, antes da revolução do 25 de Abril, Marcello Caetano tinha tentado negociar com o PAIGC a independência da Guiné."
Conclusão: Durão até tinha dito que não queria, mas Cavaco quis e isso fez com que Soares ficasse irritado.
Resultado: 1-0, a "Força de Bloqueio" perdeu esta partida.
O que nos leva a considerar ainda uma outra situação: o povo português só hoje é que pode saber que o governo de Marcello Caetano tinha tentado uma aproximação aos movimentos nacionalistas, com vista à independência das colónias, pouco antes do golpe militar de 25 de Abril, apenas porque Cavaco Silva e Mário Soares andavam de candeias às avessas.
Quantas outras verdades históricas não se esconderão, e ainda não viram a luz do dia porque, conforme disse há 10 anos Durão Barroso ao seu funcionário diplomático, "é preferível não chamar a atenção para o caso"?
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