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20140901

Obrigado, Millás!

Juan José Millás escreveu um livro do caraças. Está correcta esta frase? Se a construção gramatical ficou bem estruturada, com substantivos e verbos e concordância de género devidamente colocados, então sim, está correcta. E é verdadeira, pois ele escreveu mesmo um livro do caraças. Passei dois dias de prazer com “A Mulher Louca” do jornalista e escritor espanhol - edição da Planeta. Um livro substantivo, de facto. Obrigado, Millás! Não sei bem a qual dos Millás devo agradecer pela história de Júlia, Roberto, Serafín, Emérita e Micaela. Desconheço a qual dos Millás devo estar grato pela história da peixeira, com olhar de louca, que vê e fala com as palavras porque está apaixonada por um filólogo, o seu chefe no supermercado - sim, quando a crise económica atinge uma sociedade, o primeiro que as pessoas dispensam é o marisco e os filólogos. Existe o Millás, que é jornalista no El País e que entra como protagonista na história para fazer um artigo sobre a eutanásia e conhece Emérita, mulher de Serafín, em cuja casa Júlia alugou um quarto. É o mesmo apartamento onde é dito pelo outro Millás, aquele que nos narra a história, que Millás, antes ser jornalista, também habitou aquele mesmo local. Qual destes dois Millás é depois o que se senta na cadeira do consultório de Micaela, a psicanalista? E o que dizer do terceiro Millás, o que assina o romance chamado “A Mulher Louca”? Será este um romance falso sobre uma reportagem verdadeira ou uma reportagem falsa sobre um romance verdadeiro? O jornalista e escritor Juan José Millás será Júlia quando esta recebe a visita das palavras, cura-as, vê-as a copular uma com outras, faz-lhes psicanálise e analisa-se? Ou o terceiro Millás veste a pele de um hábil manipulador de palavras, que usa o “álibi” do segundo Millás para, através do primeiro Millás, desviar a atenção das outras personagens e levar o leitor a ser analisado através desta reportagem verdadeira de um falso romance? É uma obra de quase 200 páginas, mas cujo efeito curativo tem duração prolongada. Devolve-nos a fé no poder das palavras, no poder da leitura e da literatura. No poder do jornalismo como ele era e devia ser. Seja tudo muito ou quase nada falso ou totalmente verdadeiro, em qualquer dos casos são as palavras que ficam sempre. Obrigado Millás por esta história. Qual um deles que tu sejas...

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