Blogue do jornalista Frederico Duarte Carvalho, com coisas que tanto faz que se saibam porque em nada servem para o que sabemos. e-mail: paramimtantofaz@gmail.com
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20120613
As colunas Salazar e Carmona
Como se fosse um templo maçónico, o Terreiro do Paço tem duas colunas à entrada. Mas, aquelas que estão no Cais das Colunas não se chamam Boaz nem Jachim. Têm outros nomes, que estão inscritos em grande destaque na base das mesmas: "SALAZAR" e "CARMONA".
Poucos lisboetas conhecerão este facto, raros serão os portugueses que sabem isto e quase nenhum turista reparará, pois a informação não figura nos roteiros turísticos. Apesar de todos os dias haver quem se faça fotografar junto às colunas, mal se vê os nomes dos dois governantes do Estado Novo, pois estes estão parcialmente tapados pelo lodo. Contudo, de vez em quando, alguém olha com mais atenção e fica estupefecto quando descobre os nomes de dois chefes de Estado do tempo da Ditadura. É então, nesse momento de surpresa, que notam ainda em outras inscrições nas colunas, que também são difícieis de ler. São duas mensagems gravadas na pedra, num dos locais mais simbólicos e turísticos da capital portuguesa. Afinal, o que está inscrito nas colunas e como foi ali parar?
Explique-se então que, em Julho de 1938, o então Presidente da República, o general Óscar Carmona, fez a primeira viagem de um chefe de Estado português às colónias. Depois, em Junho de 1939, fez a segunda viagem.
De forma a assinalar para a posteridade o acto histórico, foi decidido gravar na pedra uma mensagem do Presidente da República e outra do Presidente do Conselho:
AQUI EMBARCOU O CHEFE DO ESTADO PARA A PRIMEIRA VIAGEM ÀS TERRAS ULTRAMARINAS DO IMPÉRIO: SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE E ANGOLA.
XI DE JULHO - XXX DE AGOSTO DE MCMXXXVIII
COM A CERTEZA DE QUE FALA PELA MINHA VOZ PORTUGAL INTEIRO, PROCLAMO A UNIDADE INDESTRUTÍVEL E ETERNA DE PORTUGAL
GENERAL CARMONA
A SEGUNDA VIAGEM DO CHEFE DO ESTADO ÀS TERRAS ULTRAMARINAS DO IMPÉRIO: CABO VERDE, MOÇAMBIQUE E ANGOLA.
XVII DE JUNHO - XII DE SETEMBRO DE MCMXXXIX
A VIAGEM DO CHEFE DO ESTADO ÀS TERRAS DO IMPÉRIO EM ÁFRICA ESTÁ NA MESMA DIRECTRIZ DAS NOSSAS PREOCUPAÇÕES E FINALIDADE, É MANIFESTAÇÃO DO MESMO ESPÍRITO QUE PÔS DE PÉ O ACTO COLONIAL
SALAZAR
O regresso de Carmona, em Setembro de 1939, seria obscurecido pelos ventos que já sopravam da Europa: começara a Segunda Guerra Mundial. Mas, para Portugal, as memórias dessas duas viagem seriam guardadas para sempre naquela entrada simbólica de Lisboa.
Entretanto, os anos passaram e os estadistas morreram. O Império perdeu-se, o regime mudou, outros estadistas apareceram, outro povo surgiu, houve obras no Terreiro do Paço, mas as colunas com as incrições sobreviveram até aos nossos dias. Penso que, devido ao respeito que a História merece - idependentemente da ideologia -, as colunas deveriam ser restauradas de forma a ser mais perceptível a mensagem dos dois estadistas. Agora, se deveriam permanecer ou não no mesmo local, isso é outra discussão. Não me escandalizaria, por exemplo, que as colunas fossem colocadas num museu municipal e substituídas por novas colunas, com outras mensagens. Isso iria dignificar o local, constituindo assim um atractivo extra para os inúmeros turistas que todos os dias visitam o renovado Terreiro do Paço. Caso esta última ideia possa ser adoptada, proponho que as novas colunas contenham poemas de "A Mensagem" de Fernando Pessoa.
Quais?
Há dois que seriam bastantes apropriados para substituir os actuais:
"O Infante"
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
"Mar Português"
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
PESSOA
Muitos parabéns, Frederico!
ResponderEliminarMais uma excelente reportagem de investigação.
Um abraço!
Boa sugestão.
ResponderEliminarMuito interessante. Não conhecia.
ResponderEliminarAs suas sugestões para novas inscrições são válidas e muito pertinentes. Contudo penso que não se deveria esconder a história. Nos tempos conturbados que vivemos é da maior importância que mantenhamos presente na memória os abusos do passado, para que não sejam cometidos no presente.
Obrigado, sempre bom saber coisas interessantes.
ResponderEliminarCurioso também que só em 1938 é que um Chefe de Estado tenha ido às colónias. E não o digo como provocação, é mesmo curioso.
Caro anónimo de 17 de Junho, é precisamente por eu achar que não se deve esconder a História que faço a sugestão da mudança das colunas. As originais iriam para um museu, onde seriam limpas e as inscrições restauradas de forma a poderem ser lidas como no tempo em que foram colocadas.
ResponderEliminarHaveria ainda um suporte documental a explicar a sua origem e importência na época.
As novas seriam depois acompanhadas por uma placa explicativa do seu conteúdo e ainda com uma referência às anteriores, com a devida indicação do museu onde se encontrariam para visita dos interessados.
Agora, manter ali as colunas, sem qualquer explicação sobre as inscrições e com os nomes dos estadistas escondidos pelo lodo... enfim, pode ser quem ache que se enquadre simbolicamente no local turístico e na actual História de Portugal...
Responde "o anónimo" de 17 d Junhos.
ResponderEliminarSim, eu percebi o que queria dizer. Mas com a crise que vai, não só de dinheiro mas tão grave de espírito e de cultura, se calhar seriam poucas as pessoas a ir procurá-las a um museu.
Peço-lhe que me perdoe escrever anonimamente. Particularmente no seu blog, admito ser uma cobardia. E nem cá venho dizer nada de mal... Mas a verdade é que estou desempregado. E o que interessa isso? Interessa tudo. Cada vez que me candidato a algum trabalho fazem uma pesquisa no google para ver por onde anda o meu nome e o que tive a dizer. Já chegou ao cúmulo de terceiros virem pedir a meus amigos que lhes mostrassem o meu perfil de uma famosa rede social...
Não posso pôr o pé em vara verde, ou de qualquer outra cor. Caí na asneira de comentar contra o anterior governo, com o meu nome. Não disse nada de mal... Mas os pinkies ainda dominam grande parte do burgo e da minha área profissional.
Bem-haja para si e para os seus leitores.
Se este sistema vos escorraçou, censurou, despediu e vos atirou para o lixo, porque é que teimam em continuar a defênde-lo? Até o Otelo já diz que precisamos de um novo Salazar!
ResponderEliminarUma frase fascista por outra ainda mais fascista. Bravo Fredy, cada vez mais coerente
ResponderEliminareembera20Não havendo verba, como de facto não há, porque não fazer daquele espaço especial do Terreiro um espaço de museu? Bastava talvez colocar na zona uma placa explicativa das gravações nas colunas e porque não acrescentar conhecimento da evolução das ideias fazendo contraponto com os textos do Pessoa, por exemplo, ou outros mais recentes.
ResponderEliminarMuito interessante, sem dúvida!
ResponderEliminarMas não se deve branquear a História de Portugal, já suficientemente deturpada desde o advento republicano nascido do sangue de dois assassinatos régios.
Não tenham medo de ler e de enfrentar a História do vosso próprio País.Todos os povos passam momentos crudelíssimos... Não o é este, que agora passamos?
Adorei.Obrigado.Parabens pela pesquisa e por todo o trabalho efectuado para tudo isto.
ResponderEliminarNazare