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20081212

Conhecer a República da Irlanda é preciso

Estive recentemente a estudar a história da República da Irlanda, o país que está a condicionar a aprovação do Tratado de Lisboa. Esqueçam as fadas, duendes e o dia de S. Patrício, pois foi com prazer que fiquei a conhecer outros nomes e factos que ignorava por completo. E agora que os sei, sinto-me uma pessoa melhor informada e, logo, melhor preparada. Partilho alguns exemplos com os leitores para que possam dar por ganho o tempo que gastam ao consultar esta página:

No fim do séc. X, na zona Sul do país, em Munster, destacou-se na luta contra os invasores vikings o rei Brian Boru.



Este rei conseguiu derrotar os vikings em 999 e 1002, tendo conquistado o reconhecimento popular como rei da Irlanda. Os vikings, contudo, conseguiram manipular as disputas entre os vários reinos irlandeses e aliaram-se ao rei de Leinster, Máel Morda Mac Murchada. A 23 de Abril 1014, numa Sexta-feira Santa, deu-se a Batalha de Clontarf, que ficou assinalada como um marco na história do país. Esta batalha acabou com a derrota do rei de Leinster e debandada das suas tropas, mas acabaria ainda com o reinado de Brain Boru. O rei foi assassinado por vikings em fuga enquanto rezava no interior da sua tenda. Também na sequência desta histórica batalha irlandesa, morreriam vários filhos de Brian Boru, pelo que a sua sucessão nunca mais encontrou uma linha directa.

Entre 1167 e 1169 registou-se a chegada de mais invasores, oriundos do sul do País de Gales. Instalaram-se na Irlanda numa acção encabeçada pelo rei de Leinster, Diarmait Mac Murchada. Este monarca alimentava a ambição de tornar-se rei de toda a Irlanda, mas estava exilado devido ao conflito que tivera contra o rei de Connacht, Turlough O'Connor. Mac Murchada conseguiria, contudo, o apoio do rei inglês, Henrique II, tendo assim amealhado um grupo de normandos e galeses liderados pelo nobre inglês Richard de Clare também conhecido pela alcunha de “Strongbow”, que por ser filho de Isabel de Beaumont, era neto do primeiro Conde de Leicester, Robert de Beaumont. Uma das promessas feitas a este nobre inglês fora a mão em casamento de Aoife, filha de Diarmait Mac Murchada, pelo que Richard de Clare asseguraria direitos sucessórios como rei de Leinster, embora a antiga lei da Irlanda, a Lei Brehon, não o reconhecesse como tal. O casamento entre ambos deu-se em Agosto de 1170, no dia seguinte à tomada da cidade de Waterford.


(Casamento de Aoife com "Strongbow")

Em Maio de 1171, morreu Diarmait Mac Murchada e Richard de Clare tornou-se rei de Leinster, mas na prática isso resultou no anúncio do rei de Inglaterra, Henrique II, como legítimo Lorde da Irlanda, título que depois entregou ao seu filho mais novo, o rei João, que reinaria em Inglaterra durante a ausência do irmão mais velho, Ricardo Coração de Leão. O acordo entre Diarmait e Richard de Clare resultou assim no início de 800 anos de intrusão inglesa na Irlanda e, ainda hoje, o nome Diarmait Mac Murchada é tido como o de um traidor do país.

Nasceria um sistema parlamentar e de leis semelhantes às existentes na vizinha Inglaterra. Com isto foi constituído, em 1297, o parlamento irlandês, embora os nativos tentassem resistir às mudanças estrangeiras. Desde o séc. XVI que o governo inglês fez todos os esforços possíveis para implementar o Protestantismo na Irlanda, mas a reforma religiosa não criou raízes entre a população. Isto deveu-se mais como medida de defesa face à repressão da administração inglesa do que à defesa do catolicismo original. A excepção, no entanto, registou-se na região do Ulster, onde as acções coloniais inglesas revelaram-se mais frutuosas, muito devido ao trabalho de presbíteros escoceses. A rebelião em 1798, que queria unir Católicos, Protestantes, incluindo Presbíteros, contra o poder inglês, acabou por fracassar e o parlamento irlandês foi induzido a votar a sua própria extinção em 1800.

Os representantes da Irlanda passaram então a ocupar um lugar minoritário nas salas de Westminster, em Londres. Apesar das reivindicações, este poder recusava-se a dar grandes concessões aos católicos. Até que apareceu o advogado católico Daniel O’Connell fundador da Associação Católica, em 1823, cujo objectivo era pressionar Londres a conceder maiores liberdades.



A associação acabou por se tornar num movimento politico de vulto e, em 1828, O’Donnell concorreu ao parlamento inglês e conseguiu obter um resultado que lhe daria a legitimidade popular para rumar até Londres, apesar de saber que o lugar estava vedado a católicos. Foi então que, no ano seguinte, seria aprovado o Acto de Emancipação Católico, que permitiu a Daniel O’Connell ocupar o seu lugar no parlamento inglês. A conquista desse acto deveu-se à sensibilidade então demonstrada pelo primeiro-ministro britânico, Arthur Wellesley, o Duque de Wellington. Herói de muitas batalhas contra os franceses - com Portugal em grande destaque - o Duque de Wellington nascera na Irlanda e conhecia bem as dificuldades dos católicos daquele pais. Apesar de fortemente contestado e acusado de ser traidor da constituição protestante, Arthur Wellesley conseguiu com que Daniel O’Connell passasse a ser membro de pleno direito do parlamento em Londres.
Considerado como um dos heróis do pais, Daniel O’Connell proferiria um discurso a 4 de Fevereiro de 1836 que seria considerado histórico. O seu discurso de Justiça para a Irlanda terminava com as palavras: “Peço, respeitosamente insisto: na idêntica justiça para a Irlanda, nos mesmos princípios que têm sido administrados na Escócia e Inglaterra. Não aceitarei menos do que isso. Recusem-me tal se foram capazes”. Este homem tem hoje direito ao seu nome inscrito na principal artéria de Dublin, para além de se saber que inspiraria depois personalidades como Ghandi e Martin Luther King.

Charles Stewart Parnell é outro nome a conhecer. Seria ele o primeiro presidente do Irish National Land League, em 1879. A Irlanda assistiu, entre 1880 e 1882, a um recrudescimento da chamada “Guerra da Terra” (Land War), um período caracterizado precisamente pela detenção de Charles Parnell e a recusa do pagamento da renda por parte dos irlandeses aos proprietários ausentes. A “terra para o povo” era a mensagem principal dos cartazes contra o pagamento da renda, acusando de traidores aqueles que o fizessem enquanto se mantivesse a detenção de Parnell.



A terra acabou por passar para aqueles que nela trabalhavam. O nome Parnell é hoje aquele que conflui em Dublin com a artéria dedicada à memória de Daniel O’Connell.



Em 1905, o jornalista Arthur Griffith começou a desenvolver a ideia de um novo partido que se viria a chamar Sinn Féin, ou seja, “Nós Mesmos”.



Defendiam os membros do Sinn Féin que os deputados do parlamento eleitos pela Irlanda deveriam deixar Londres e regressar ao seu país e formar aí um parlamento independente. Em 1916, uma rebelião contra os ingleses que ficaria conhecida como a
”Easter Raising”, entre os dias 24 e 30 de Abril, proclamou a República da Irlanda em Dublin, mas os revoltosos foram dominados. O desfecho, contudo, teve uma vasta simpatia popular o que permitiu que, dois anos mais tarde, nas eleições de 1918, o Sinn Féin ganhasse a maioria e formasse assim o primeiro Dáil, ou seja, o parlamento independente em Dublin cujo primeiro presidente viria a ser Éamon de Valera.



A tentativa da parte dos britânicos para esmagar o Sinn Féin levou à Guerra da Independência de 1919-21. As forças irlandesas seriam então lideradas em actos de guerrilha por um outro nome da galeria de heróis do país: Michael Collins, ministro das Finanças, mas também director de informações do Exército Republicano Irlandês (Irish Republican Army - IRA).



As acções da resistência irlandesa levaram a uma acção de retaliação britânica, a 21 de Novembro de 1920, quando na sequência de um cerco policial foram mortos a tiro mais de 30 pessoas no estádio Croke Park, em Dublin, naquilo que ficaria conhecido como o “Domingo Sangrento”, o primeiro a merecer esta designação, já que, em 1972, teve também lugar, na cidade de Derry, na Irlanda do Norte, um massacre que seria imortalizado na canção do grupo irlandês U2 e também, numa versão menos conhecida, por John Lennon e Yoko Ono. O conflito levou à assinatura das tréguas em Dezembro de 1921, através do Tratado Anglo-Irlandês. Como resultado deste tratado, 26 condados da Irlanda conseguiram a garantia de um Estado Livre. Os restantes seis condados a Norte, na zona do Ulster, conseguiram, um ano antes, a garantia de um parlamento próprio em Belfast, permanecendo dentro da estrutura politica do Reino Unido. O IRA original sofreu então uma divisão, sendo que a maioria não apoiava a assinatura do tratado. Michael Collins estava então do lado da minoria e seguiu-se um segundo período de confrontos, entre 1922 e 1923, mas desta vez entre os próprios irlandeses. O próprio Michael Collins seria morto, com 31 anos de idade, numa emboscada a 22 de Agosto de 1922. O objectivo dos detractores do tratado era o de implementar uma Irlanda completamente unida e livre do poder de Londres. O conflito terminou a 24 de Maio de 1923. Apesar das lutas fratricidas, esta guerra civil ajudou a cimentar as alianças politicas para os anos seguintes e, em 1948, foi acordado o The Republic of Ireland Act, que instituía, finalmente a Irlanda como uma República, deixando o rei de Inglaterra de usar o título de rei da Irlanda. O tratado, assinado a 21 de Dezembro de 1948 entrou em vigor a 18 de Abril de 1949.

Talvez esta singela resenha histórica nos ajude a perceber as raízes da resistência irlandesa e como, apesar do sofrimentos que foram vítimas, é sempre possível negociar com eles... Por outro lado, depois de conhecer estas histórias fiquei ainda com mais vontade de um dia ir visitar o país.

3 comentários:

  1. Em tempos estive para escrevinhar uma biografia de Padraic Pearse e alguns dos seus poemas e tentar impingi-los à embaixada irlandesa para publicação... andamos com bons gostos por aqui.

    Up the Kilkenny (é menos sonante, mas prefiro-a à Guinness).

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