Este é um artigo publicado no diário norte-americano "Washington Post" a 8 de Abril de 1974, poucos dias antes do golpe militar que iria mudar o rumo de Portugal. É um artigo que hoje, 32 anos volvidos, poucos portugueses conhecem. Também foram poucos os que então o conheceram. Mas quem o leu há 32 anos sabia bem por que tal artigo havia sido escrito pelo correspondente norte-americano na Península Ibérica, Miguel Acoca.
Este artigo explicava aos políticos e diplomatas norte-americanos que o golpe de Estado em Portugal podia avançar visto os importantes homens de negócio portugueses, os Mello e Champalimaud, os "capitalistas", estarem ao lado das ideias de Spínola. Só quem não souber ler jornais não consegue ver aqui a "luz verde" para a legitimação internacional das acções que os "Capitães de Abril" viriam depois a levar a cabo.
E ainda dizem hoje que o golpe foi algo "100 por cento português" e que os norte-americanos "foram apanhados a dormir"... Está bem abelha!...
Os grandes homens de negócio apoiavam as "Pombas" contra os "Falcões" da Guerra.
A guerra custava a Portugal cerca de 1.2 milhões de dólares por dia.
"O herói dos rebeldes e dos grandes homens de negócio é o general António de Spínola", explicava o jornalista, que caracterizava o general como o "homem do monóculo", com credenciais dadas na luta em Espanha com Francisco Franco e ainda na Alemanha Nazi. Depois falava do livro "Portugal e o Futuro", que vendera já 150 mil exemplares.
E prossegue o artigo:
"O general não escreveu o livro sozinho. Ele teve ajuda de oficiais militares, homens de negócio, economistas, cientistas políticos e sociólogos. Eles acreditam que a única maneira que Portugal pode acabar com a custosa guerra, e recuperar o apoio dos aliados da OTAN, é criando a república federal incluindo os três territórios africanos – Angola, Moçambique e Guiné portuguesa – numa base de igualdade.
O livro também sugere que todos os 'portugueses' na Europa e África – 10 milhões de brancos e 15 milhões de não-brancos – recebam as liberdades que lhe têm sido negadas em mais de 40 anos de regime autoritário.
Existe uma grande confiança entre os elementos pró-Spínola de que os Estados Unidos receberiam de bom grado a mudança da política africana de Portugal. Washington poderia depois providenciar a Portugal as armas que tanto necessita. Actualmente, a Marinha portuguesa compra navios de patrulha e transporte aéreo militar a Espanha. Portugal está isolado politicamente, com a África do Sul e a Rodésia como os seus principais apoiantes.
O governo de Lisboa, contudo, está desencantado com os Estados Unidos. Sente que ficou alienado dos países árabes durante a guerra de Outubro ao autorizar a ponte aérea dos Estados Unidos para Israel na base norte-americana em território português. 'E para quê?', disse um oficial amargurado.
Não há dúvida que o primeiro-ministro Marcelo Caetano que chegou a este cargo após a morte de António Oliveira Salazar, há quatro anos, simpatiza com a abordagem de Spínola. Mas aparenta estar cativo do Almirante Américo Thomaz, 79, o presidente, e membros da linha dura, que apoiam as presentes políticas de guerra.
Enquanto Spínola não se juntou aos oficiais rebeldes a 16 de Março – e poderá, de facto, ter desmantelado a rebelião ao ordenar o batalhão armado de Santarém a retirar o seu apoio – as suas propostas dizem respeito à 'africanização' da guerra de 13 anos em Angola, Moçambique e Guiné. Elas são apoiadas por dois das mais poderosas famílias de industriais – os de Mellos [sic], que controlam o complexo industrial da CUF e os Champilinauds [sic], que estão no cimento, aço e banca.
O governo foi ao ponto de censurar um depoimento pró-Spínola feito por António Champalinaud [sic] num anúncio de jornal do Banco Pinto Sotto Mayor, que ele controla.
Os falcões à volta do Presidente Thomaz parecem controlar a situação. Não só pressionam Caetano a expulsar Spínola como vice-comandante Chefe das Forças Armadas, mas também a ver-se livre do Comandante Chefe das Forças Armadas, general Francisco da Costa Gomes, que partilha das ideias de Spínola.
O novo Comandante chefe das Forças Armadas, General Joachim Luz Cunha [sic], é um adepto da linha dura que desdenha as mudanças políticas defendidas pelos Spinolistas. Os falcões acreditam que devem aprofundar o seu pé em África a todo o custo. Se Portugal perder os seus territórios africanos, eles acreditam que o País poderá ser engolido quer pela Espanha quer pelo pequeno mas bem organizado Partido Comunista Português.
Os partidos da Oposição, incluído os comunistas, têm-se mantido afastados da luta. Porém, não há dúvidas que muitos dos capitães dissidentes que emitiram um manifesto antes e depois dos oficiais a 16 de Março têm laços com a esquerda.
Até ao momento, o governo prendeu 33 oficiais implicados na revolta, mas ainda não os acusou.
DGS a ubíqua polícia secreta, está a reter pelo menos 100 potenciais rebeldes há semanas. Um capitão rebelde, de acordo com alguns relatórios, partiu para as montanhas no Norte de Portugal. Mas rumores de que está a formar um bando de guerrilheiros foram negados.
Uma das razões pela qual Spínola tem tanto apoio do sistema é a crença de que uma federação, mais as garantias de liberdade política, poderá trazer apoio a Portugal por parte das nações Ocidentais que montaram um embargo de armas ao pequeno País”.
O artigo terminava com a ideia de que havia a crença de que este plano de uma federação colocaria fim à devastadora taxa de inflação – então a correr a um ritmo anual de 20 por cento –, e mencionava ainda a grande perde de população através da imigração para os Países do mercado comum e da média de 30 baixas mensais no Ultramar, a maior parte por minas e granadas.
O jornalista do "Washington Post" não deixaria de terminar o seu texto com mais esta mensagem que, para os olhos dos políticos estrangeiros, não poderia passar despercebida:
"Nas recentes semanas, os portugueses, cuja Imprensa é censurada, têm sido colocados perante uma quantidade pouco vulgar de notícias. A revolta dos oficiais foi largamente reportada e o livro de Spínola circula livremente.
Um debate nacional sobre o assunto está aí e estende-se não só nas casernas, mas nos corredores da institucionalizada Assembleia Nacional, nos escritórios dos directores de bancos e nos editoriais dos jornais", terminava assim o artigo do importante diário norte-americano, dezassete dias antes da rebelião.
a ideia da federação teria sido boa 15 anos antes, 20 anos antes, na altura em que a descolonização francvesa e inglesa estava a ser feita e a dar péssimos resultados. aí, sim, acredito que a federação poderia ter apoio internacional suficiente para se sustentar, sendo certo que a guerra colonial não iria terminar. mas, porventura, poderia rer sido possível angariar apoios nas magras elites africanas das colónias, se o poder político realmente fosse partilhado com eles. agora, em 1974... já não havia nada a fazer, a não ser o que foi feito. o que é irónico é que, 15 anos depois, com a queda do comunismo, poderia ter sido possível sonhar com um estado intercontinental (coisa inédita!). mas, para isso, teríamos que ter aguentado o império mais 15 anos e não vejo como teria sido possível fazê-lo... de modo que, olha, estamos assim, reduzidos à infíma expressão, diluídos na Europa, pequeninos e pobres, insignificantes e pouco considerados...
ResponderEliminarPara mim, o importante é não deixar esquecer que ainda podemos ser uma boa ideia...
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