Páginas

20060322

E o futuro, Portugal?

"Portugal vive hoje, sem dúvida, uma das horas mais graves, senão a mais grave, da sua História, pois nunca as perspectivas se apresentaram tão nebulosas como as que se deparam à geração actual.
Sem ir mais longe na análise de toda uma mentalidade em processo de evolução, o fenómeno migratório é bem o reflexo da crise actual, pois prova à evidência que a independência política deixou de ser a meta do cidadão comum. O português, quando movido pelo aguilhão da sobrevivência, já não hesita em trocar leis do seu país pela sujeição à lei estrangeira, prescindindo portanto dos seus direitos de cidadania em favor do seu bem-estar, pois temos de reconhecer que a atitude anímica mais generalizada é a tendência para procurar fora o que dentro se não acha, desde que para tanto concorram oportunidades e possibilidades.
Os homens não se constituem em sociedades por reconhecerem estas como valores transcendentes a preservar, antes, as sociedades é que constituem por atitude volitiva dos seus participes, que a elas aderem na medida em que reconhecem beneficiar da sua integração na comunidade. A vida social, na sua origem, é um pacto de permuta em que o indivíduo dá e recebe, e na qual prescinde de certos direitos e abdica de algumas liberdades em troca de maior segurança.
Haverá então que cuidar do pacto social, em ordem a reequilibrar a balança dos fluxos entre cada português e a nação, restabelecendo uns laços, reforçando outros, procurando sobretudo que cada cidadão se sinta melhor vivendo entre os seus e à maneira dos seus, em cuja vida participe com pleno direito de expressão, sentindo nas próprias abdicações actos determinados pela sua consciência, e investindo assim, voluntariamente, o seu esforço em favor de um futuro melhor. Mas, para tanto é necessário que esse futuro lhe seja claro, que o investimento se lhe revele rendível pelo menos a médio prazo e que a sua integridade como pessoa livre não seja afectada por dogmas definidos à margem da sua opinião. E para tudo isto, são indispensáveis vultosos capitais humanos e materiais, havendo que criar condições para o seu afluxo.
Um Estado débil, cujas relações se estabeleçam apenas com outro mais forte ou com um núcleo coeso mais forte, terá sempre a sua sobrevivência comprometida ou, pelo menos, mantida apenas na aparência, sendo remetido a um estatuto para-colonial. No caso português, o estabelecimento de fluxos num só sentido e a sub-utilização da nossa capacidade criadora pode conduzir-nos pela via da dependência ao desaparecimento, sem embargo de podermos manter uma aparente individualidade política.
Toda a super-estrutura deve, pois, para permitir a subsistência e a prosperidade da sociedade que serve, ser harmónica e harmonizante, isto é, deve reger-se pelo equilíbrio individual, em ordem a que da troca entre o que cada um dá e recebe resulte de um excedente pessoal que permita a satisfação das necessidades crescentes de cada um. De outra forma apenas se caminha ou para a desagregação pela via revolucionária ou pela lenta decomposição pela via da ordem estabelecida. Chocam-se, neste ponto, duas concepções antagónicas; a dos velhos liberais segundo a qual as leis naturais se encarregam desse equilíbrio, promovendo automaticamente que cada um receba, segundo o seu contributo, e a dos socialistas ortodoxos, que entendem dever a repartição ser feita de acordo com as necessidades. Entre ambas, uma concepção abstracta de estado social poderia restabelecer um ponto de encontro, marcando um limiar de necessidades mínimas que cada um deve, obrigatoriamente, ver satisfeitas seja qual for o seu contributo para a sociedade, e admitindo, a partir desse limiar, a proporcionalidade com as capacidades individuais e a sua efectiva aplicação. Esta concepção de distribuição da riqueza, em ordem à satisfação das necessidades básicas consoante as capacidades de criação de excedentes, é a pedra fundamental da harmonia social sem a qual a sociedade não prospera nem subsiste".

3 comentários:

  1. Não sei porquê, mas acho que isto já deve ter sido escrito há algum tempo atrás.
    Por alguém até razoavelmente conhecido.
    Essa do "Portugal nunca esteve tão mal" é típica.
    É um pouco como aquela lógica de alguém que não gosta de fazer determinada coisa e argumenta sistematicamente:
    "Eu?! Outra vez?! Mas sou sempre eu a fazer isso!"
    Claro está que nunca faz, mas argumenta fazê-lo sempre.
    Mas o pior é que resulta!
    "Portugal nunca esteve tão mal" é também algo de intemporal.
    Enfim, é o País que temos e sempre tivémos, nunca esteve tão igual.

    ResponderEliminar
  2. António Spínola, em "Portugal e o Futuro".

    ResponderEliminar