Páginas

20050423

Porque é Abril...

Há dias dei por mim a consultar o livro “Documentos, Teses, Conclusões” do III Congresso dos Jornalistas Portugueses, que teve lugar na Culturgest, entre 26 de Fevereiro e 1 de Março de 1998.
O primeiro congresso dos jornalistas portugueses fora em 1982 e o segundo ocorreu quatro anos mais tarde, em 1986. O terceiro só teve lugar em 1998, doze anos depois. Desde então nunca mais houve um quarto congresso, mas já está na hora de isso acontecer...
Apesar de em 1998 já estar a viver em Lisboa e a trabalhar no “Tal&Qual”, não fui ao Congresso. Contudo, lembrava-me remotamente de uma qualquer polémica que tinha suscitado uma comunicação do jornalista José Peixe – um camarada que conhecera uns anos antes quando eu ainda trabalhava no “O Primeiro de Janeiro”, no Porto, enquanto ele colaborava desde Lisboa.
Em 1998, José Peixe era então jornalista no vespertino "A Capital" e isto foi o que ele disse no III Congresso:

Censura, perseguições e jornalismo
José Peixe
34 anos de idade
Jornalista há 11 anos
Jornal “A Capital”

(Comunicação redigida por mais dois jornalistas do vespertino “A Capital” que solicitaram o anonimato)

Aproveitamos esta oportunidade para dar os parabéns à Comissão Organizadora do III Congresso dos Jornalistas Portugueses, aos Sindicato dos Jornalistas e a todos os camaradas que se envolveram neste encontro. Um congresso que ficará assinalado na história do jornalismo português.
Também queremos felicitar a Comissão do Congresso por ter avançado com a ideia do “Jornalismo Real versus Jornalismo Virtual”, porque (in)felizmente trabalhos num jornal virtual, de seu nome “A Capital”.
Um jornal que tem uma directora virtual e um chefe de redacção internético. Uma virtualidade que, no último semestre de 1997 e princípios de 98, obrigou bons jornalistas profissionais a abandonar a redacção procurando trabalho noutros órgãos de Comunicação Social. Outros optaram por abandonar a profissão. Uma profissão que anda pelas ruas da amargura!
E foi a pensar nos bons profissionais que ainda existem no jornalismo português que decidimos fazer esta comunicação. Uma comunicação em jeito de denúncia. Uma denúncia que deve ser levada a sério pelo Conselho Deontológico do Sindicato de Jornalistas e não só. Por toda a classe jornalística em geral.
No I Congresso dos Jornalistas Portugueses, que teve lugar em Janeiro de 1982, o camarada de profissão e ilustre jornalista Afonso Praça apresentou uma comunicação intitulada “Censura nunca Mais!”. Afonso Praça falava na “necessidade de uma informação correcta, ampla e aprofundada sobre o que foi a censura prévia”(1), para que os jornalistas do futuro nunca mais voltassem a falar de censura.
Como se enganou Afonso Praça! Como se enganaram César Príncipe, Adelino Gomes, Diana Andringa, José Manuel Barata-Feyo, Miguel Sousa Tavares e todos aqueles camaradas que acreditaram que a censura tinha acabado. Alguns deles estão presentes nestes auditório. Outros, esqueceram-se que havia Congresso.
Passados 16 anos do I Congresso de Jornalistas, com alguma mágoa e tristeza, somos obrigados a dizer, aqui e agora, que a censura continua a fazer parte do quotidiano de muitas redacções. Todos nós sabemos que não é a mesma censura que foi praticada pelos coronéis de Salazar. Estamos a falar de uma censura mais soft, mais discreta, mais repugnante e mais moderna. Se nos permitirem, uma censura mais imbecil e nojenta. E nojenta porquê? Porque é uma censura praticada pelos próprios companheiros de redacção que ocupam lugares de chefia ou fazem parte da direcção do jornal.
Quantos casos destes não existirão pelo País? E não são denunciados porquê? Porque atingimos uma época em que as pessoas têm medo de perder os seus empregos.
Nós próprios temos sentido na pele essa censura que agora denunciamos. Ou seja, a chefia, a directora ou editores marcam-nos serviços de agenda e depois, muitos trabalhos ficam na gaveta e não são publicados. É assim que funciona o jornalismo virtual! E, depois, passamos a vida a falar de códigos deontológicos e de ética. Para quê? Está provado que a virtualidade não é compatível com o jornalismo sério e isento.
Falando no caso concreto de “A Capital”, quase todos os dias, a directora, o chefe de redacção ou os editores decidem não publicar peças jornalísticas alegando falta de espaço. Uma boa desculpa para exercer a censura!
Quando lhes apetece, alteram os títulos, as entradas, e até os próprios textos dos jornalistas, não lhe dando qualquer tipo de explicação. Talvez o jornalismo virtual não tenha que dar explicações a ninguém!
Pior do que isso, muitas vezes, os jornalistas são convidados pela própria directora, ou pela chefia de redacção, a fazer fretes governamentais. Sim. Isso mesmo, fretes governamentais! Ou os camaradas pensavam que os fretes já tinham acabado? Esses fretes existem, são reais e fazem parte do jornalismo actual. Esse jornalismo ao qual dizemos não.
E quem se recusar a fazer os recados do Ministério do Planeamento ou do Ministério da Agricultura arrisca-se a ser perseguido, a ser posto na prateleira, ou, então, ser chamado ao gabinete da directora e levar uma lição de moral. Como se essa directora tivesse moralidade para dar lições de moral.
Uma directora cujo nome nos recusamos a pronunciar, pois temos quase a certeza que todos os que estão ligados ao jornalismo conhecem. Um nome que pretende ocupar um espaço dourado nos anais do jornalismo de investigação em Portugal. Mal vai o jornalismo sério, isento, rigoroso e a ética profissional no nosso País. Mal está o jornalismo português!
E quando há pouco afirmávamos que houve casos de perseguição no jornal “A Capital”, não estávamos a falar nem a inventar histórias virtuais. Falávamos de histórias bem reais e que nos últimos meses atingiram bons jornalistas profissionais, obrigando-os a abandonar um jornal de que tanto gostavam. Que o digam as nossas ex-companheiras de redacção Marta Leandro e Paula Carvalho. Ou, então, o camarada Belo da Fonseca, que foi obrigado a pôr um ponto final na sua carreira jornalística depois de sofrer várias pressões.
Companheiros, pensamos que o jornalismo sério e real que distinguia o jornal “A Capital” passou a dar lugar ao jornalismo internético e virtual, onde alguns(mas) camaradas de redacção se limitam a traduzir (leia-se plagiar) peças da Internet e assinar. É este o jornalismo que dignifica a nossa profissão? E o respeito pelos direitos de autor não existem? Pelos vistos no jornalismo virtual não!
No jornalismo virtual parece que também não existem Códigos Deontológicos, Leis de Imprensa nem Direitos Fundamentais para respeitar. O mais importante é inventar histórias, vender papel e, muitas vezes, passar um atestado de “burrice” aos leitores. Leitores esses que felizmente já começaram abrir os olhos e procurar nas bancas e nos quiosques jornais mais sérios e isentos.
Para que se tenha a noção do jornalismo virtual que existe em “A Capital”, no dia 4 de Fevereiro, para se ilustrar um crime violento que ocorreu em Ponte de Sor, a chefia não teve qualquer tipo de problemas em ilustrar o artigo com a fotografia de um jornalista que faz parte do corpo redactorial do jornal. Ou seja, um nosso companheiro de redacção predispôs-se a desempenhar o papel de assassino. Ao que chegamos!
Mais, por baixo da foto aparecia a seguinte legenda: “Joaquim, depois de ter vivido de costas para o filho, matou-o”.(2) Uma vergonha!
O que um jornalista se tem de sujeitar para ganhar a vida.
Como se isso não bastasse, também existem na “A Capital” alguns jornalistas que criaram o hábito de plagiar o que aparece nas agências noticiosas e depois assinam com o seu nome profissional. Outros, limitam-se a transcrever os telex ou faxes que chegam dos ministérios, dos partidos políticos, das empresa ou das agências de comunicação. Agências essas que curiosamente são dirigidas (ou pertencem!) a outros jornalistas, os tais que não deveriam ter carteira profissional de jornalista mas têm-na. Os tais que não deveriam pertencer a esta classe, mas que infelizmente pertencem!
No discurso de abertura do congresso o Presidente da República, Jorge Sampaio, demonstrou alguma inquietação por 90% dos jornalistas que tinham respondido ao inquérito terem afirmado que já sofrerem pressões e de outros tantos terem falado de pressões internas, nos órgãos de Comunicação Social onde trabalham.
Hoje, e apesar do senhor Presidente da República não estar presente, confirmamos que essas pressões existem, são reais e podem transformar-se numa ameaça séria à liberdade de Imprensa.
Mas, para se compreender melhor a classe da nossa classe, talvez não fosse mau recuarmos 12 anos no tempo e recordar um texto de Carlos Magno.
Em Novembro de 1986, aquando do II Congresso dos Jornalistas, o camarada Carlos Magno comparava a classe dos jornalistas à classe das prostitutas.(3) Hoje, somos obrigados a admitir que a prostituição existe no jornalismo português, havendo apenas uma pequena novidade: as prostitutas (ou prostitutos!) de agora são mais finas, mais requintadas e mais exigentes.
E, já agora, porque é que no próximo congresso não convidamos as prostitutas (a sério!) para estar presentes. Talvez o congresso ficasse mais animado. É que provavelmente ficávamos mais elucidados sobre esta problemática que nos apoquenta há muitos anos: a Ética e Deontologia das prostitutas. Pedimos desculpa, a Ética e Deontologia dos jornalistas.

(1) – Conclusões Teses e Documentos do I Congresso de Jornalistas Portugueses. Um congresso que teve como tema a “Liberdade de expressão, expressão da liberdade”. A comunicação apresentada pelo jornalista Afonso Praça tinha o título de Censura nunca mais! E aparece publicado na p. 141 e ss.
(2) – Ver jornal “A Capital”, do dia 4 de Fevereiro de 1998, onde o jornalista Sérgio Ferreira Borges, aparece de costas voltadas para os leitores e a ilustrar uma peça jornalística sobre um crime violento que ocorreu em Ponte de Sor. É pena que existam jornalistas que aceitem desempenhar o papel de assassinos.
(3) – Conclusões, Teses e Documentos do II Congresso de Jornalistas Portugueses. Um Congresso que foi dedicado à “Deontologia”. Uma deontologia que já em finais de 1986 andava pelas ruas da amargura. A comunicação do jornalista Carlos Magno intitulava-se A honra do convento e aparece publicada na p.78.
-----
Depois de ler este texto do José Peixe tive a natural curiosidade de saber, sete anos volvidos, o que acontecera ao seu autor e, já agora, que efeitos práticos tiveram aquelas palavras de denúncia.
Consegui o e-mail de José Peixe, que agora dá aulas, e obtive uma pequena entrevista que aqui reproduzo para ser lida por quem eventualmente se possa interessar pelo actual estado do jornalismo em Portugal.
Não faço qualquer juízo sobre as palavras de José Peixe, mas, como jornalista, não posso deixar de registar a sua posição.

P - O que lhe sucedeu profissionalmente após aquele discurso?
R - O que me sucedeu foi ser despedido automaticamente do jornal "A Capital" e não conseguir arranjar trabalho como jornalista profissional em mais nenhum órgão de Comunicação Social a nível nacional. É verdade que ainda estive como Director Adjunto num semanário regional (O Aveiro), mas também ali o ambiente era tão péssimo que acabei por sair. Para além disso, seguiu-se uma longa batalha jurídica no Tribunal de Trabalho (Lisboa) e a nível criminal no Tribunal de Sintra. Felizmente que tive dois advogados excelentes e acabei por vencer as duas acções contra o grupo de Pinto Balsemão.
P - O que mudou na Comunicação Social desde aquela altura?
R - Nada. Aliás, situações como aquela que eu relatei no Congresso passaram a ser o pão nosso de todos aqueles que trabalham nas redacções dos jornais, rádios e televisões. E o mais grave é que censores como o Pedro Tadeu (Director do 24 Horas) e João Vaz (Correio da Manhã) continuem a ter sucesso profissional.
P - Que tipo de reacção sentiu nos camaradas após aquelas suas palavras?
R - Alguns foram solidários com a minha luta até ao fim e até foram testemunhar em tribunal. Outros, passaram a olhar-me como um inimigo público. Mas foram muito poucos os jornalistas que me apoiaram. Foram poucos mas bons!
P - O que é feito das pessoas que então criticava? (Sei que a directora do diário já faleceu)
R - O João Vaz está no Correio da Manhã e o Pedro Tadeu é director do 24 horas. O Sérgio Ferreira Borges não sei nada dele, e o Gonçalo é Director do Tal e Qual. Já para não falar de outros estagiários/as que acabaram por ascender na profissão de forma super-sónica no jornal 24 Horas.
P - Como vê o futuro da profissão? O que diz aos seus alunos?
R - Que profissão? A de jornalista? Mas ainda existem jornalistas nas redacções? Se existirem alguns devem estar em fase de extinção. Hoje o que existe mais nas redacções são fretistas sem escrúpulos. A chamada Censura Democrática não parou de crescer. Censura essa que é feita por aqueles a que Serge Halimi trata por "Cães de Guarda". A meu ver o jornalismo é uma profissão em extinção.

Sem comentários:

Enviar um comentário