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20040511

Sobre diários de jornalistas desempregados

Existem dois blogues feito por jovens jornalistas que julgo serem merecedores de toda a nossa atenção.
O primeiro valeu inclusive o despedimento dos seus autores do órgão de Comunicação Social onde trabalhavam, visto que resolveram denunciar algumas práticas menos claras entre o jornalismo dito isento e o jornalismo comercial no diáro "O Primeiro de Janeiro".
O segundo é de uma jovem jornalista no desemprego que conta a sua saga diária na busca de um lugar digno num órgão de Comunicação Social, e pergunta como foi que outros conseguiram os seus empregos.
Ambos mereceram a minha reflexão, pois, em relação ao primeiro, tenho uma ligação muito pessoal, visto que foi naquela mesma casa que me fiz jornalista. Foram alguns dos melhores anos da minha vida e acho que não poderia ter tido melhor começo profissional. Quero dizer-lhes que, certa vez, por "castigo", fui parar à tal secção dos "cadernos especiais". Quero dizer-lhes que então cumpri com igual profissionalismo a minha função: assinei sempre as peças que me foram "encomendadas" e limitei-me a relatar os factos. Quando era necessário o contraditório, também se faria. Conclusão: não fiquei lá nem um mês porque foi solicitado o meu regresso imediato à redacção.
Tive mais sorte do que estes jovens de hoje, pois os anos apenas "refinaram" os métodos dos gestores comerciais e o aumento do número de jovens licenciados à procura de emprego deu-lhes ainda mais margem de manobra em relação à independência jornalística.
Saí do "Janeiro" depois de um processo disciplinar que me foi aberto por me ter ausentado 20 dias sem dar cavaco a ninguém.
E até tinham razão, pois estive na Venezuela e em Cuba durante aqueles dias.
Só que perderam a razão porque, no meu regresso, depois de me dizerem que estava despedido (ao que eu respondi: "E já meteram alguém no meu lugar? Não? Então candidato-me a esse posto e, para começar, têm aqui um texto sobre Cuba!"), publicaram dois artigos sobre Cuba antes de se terem lembrado de meter o processo disciplinar...
Daí que consegui, naquela altura - em 1994, quando eu tinha já cumprido os dois anos de estágio - um computador portátil para aceitar vir-me embora por mútuo acordo.
Agora, a minha resposta à jornalista do segundo blogue sobre como nós, os outros jornalistas, conseguiram o seu emprego.
Peguei naquele computador portátil e dei-lhe uso.
Escrevi histórias.
Demorou tempo a conseguir resultados, reconheço-o, pois saí do "Janeiro" em Junho de 1994 e só em Abril de 1996 é que consegui as primeiras colaborações fixas. Contei com a ajuda da família que sempre me deu comida e roupa lavada. Fazia uns textos para aqui e para ali. Nada de especial, contudo, em Abril de 1995, com algum dinheiro poupado e outro emprestado da minha avó (150 contos), fui à Rússia entrevistar antigos agentes do KGB.
Vendi essa reportagem à "Visão", que me pagou 150 contos (e não à "Grande Reportagem", porque havia a promessa da "Visão" de me encomendarem depois outros trabalhos no Porto, o que nunca cumpriram). Aquilo deu para pagar à minha avó e não tive lucro, mas investi em mim...
Mais tarde conheci uma pessoa que se interessou pelo meu trabalho sobre os antigos agentes do KGB e, através dele, comecei a colaborar no "Tal&Qual" do Porto, em Abril de 1996. Um ano depois de ter ido à Rússia.
Os resultados da colaboração foram devidamente apreciados e, em Junho de 1997, mudei-me para a redacção do "Tal&Qual" em Lisboa. Em Janeiro de 1998 entrei para o quadro, onde ainda hoje me mantenho.
Nunca esqueci, por isso, o "Janeiro", onde me fiz jornalista e conheci muita gente. Foi lá que consegui, por direito próprio, o computador portátil que depois me serviu para escrever os textos que me trouxeram para o actual emprego. Foi nesse mesmo computador, no quarto alugado do Bairro Alto onde então vivia, que à noite e ao fim-de-semana, escrevi o meu primeiro livro, fruto de uma longa entrevista com o antigo jogador do Benfica, Vítor Baptista.
Lá está: naquela altura não havia blogues e para visitar salas de "chat" era obrigado a ir a um Cyber-café, pois não havia dinheiro para a Net em casa. Agora, acho que se perde muito tempo a blogar para o umbigo e já não há gente nos jornais a contar histórias que despertem o verdadeiro interesse dos leitores...
O jornalismo de hoje é o jornalismo de merda (ver alguns "posts" anteriores a este), onde os porcos comem aquilo que simplesmente lhes cai na gamela, sem se queixarem.

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