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20031120

Prefácio

Este é o prefácio do livro "Eu Sei Que Você Sabe", da autoria de Joaquim Letria que, com a devida autorização do editor, aqui reproduzo:

Uma atitude
Tem nas suas mãos um livro polémico, excitante e interessante publicado por um jovem jornalista que gosta de ir mais longe e a maior profundidade no porquê dos factos e no seu relacionamento, para melhor perceber a razão de ser das coisas e que, da sua curta existência e da sua ainda breve vida profissional, já retirou a experiência suficiente para saber que muitas coisas nem sempre são o que parecem, que outras não aconteceram acidentalmente, que certos acontecimentos não ocorreram como foram descritos e que raramente as coincidências são obra do acaso.
Tive o prazer, e o privilégio, de dirigir uma jovem equipa de jornalistas que incluía Frederico Duarte Carvalho. E se desses tempos alguma coisa de bom tenho a recordar, uma delas é, sem dúvida, a insatisfação permanente do Frederico, as suas dúvidas, por vezes incómodas, o seu arrojo, que muitos confundiam com descaramento, e a vontade irreprimível de ir sempre mais longe, o desejo de ter informação privilegiada, o profissionalismo com que buscava as fontes e que com elas se relacionava, o anseio de ultrapassar a sua porção da verdade para atingir a quase impossível verdade total.
Percebo, portanto, a motivação de Frederico Duarte Carvalho ao escrever este livro. Compreendo o relacionamento que nele faz entre factos, o cruzamento que permanentemente executa das informações, a inquietação com que põe em causa as verdades sedimentadas de alguns factos importantes que ele próprio, pela sua idade, não viveu plenamente mas a que se deu ao trabalho paciente de investigar .
E é sobretudo isso que fascina no labor sempre activo do Frederico e é isso que atrai neste livro onde há interrogações que os mais crédulos podem alcunhar de especulações jornalísticas e no qual surgem passagens que não são mais do que simples somas de dois mais dois , mas que ninguém ainda concluíra que o resultado final era igual a quatro.
Num momento muito particular da História, e quando emergem novas gerações a quem é ensinado o conformismo, ou que aprendem as vantagens de aceitar o que lhes é dito como verdade inquestionável, é reconfortante encontrar alguém que não se cansa de fazer perguntas, nem se atemoriza a questionar, como Frederico Duarte Carvalho. No fundo, homenageando com esta sua permanente atitude gente que deu a própria vida à verdadeira investigação jornalística, como tributo à liberdade de expressão e à verdade a que todos os cidadãos livres têm direito para uma sociedade mais justa e mais verdadeira.
Este livro de Frederico Duarte Carvalho é uma vénia à memória dos 3180 jornalistas que nos últimos 40 anos deram as suas vidas no mundo inteiro pelo verdadeiro jornalismo e pela liberdade de expressão.
Por esta mesma atitude que Frederico de Carvalho adoptou, Mino Pecorelli apareceu com a cabeça estourada a tiro à porta de sua casa donde saíra com uma história das ligações duvidosas de Giulio Andreotti; desapareceu o francês Alain Joffrainne quando no Panamá investigava as ligações do narcotráfico às contas de Noriega na Suiça, Luxemburgo, Liechenstein e Mónaco; foi encontrado degolado, no quarto dum hotel de Varsóvia, o corpo do austríaco Paul Noverker, que seguia a rota secreta do plutónio; foi descoberto, cravado cruelmente a uma porta o corpo decapitado do canadiano John Larrimore que, em 1993, sabia demais acerca do tráfico de armas para os Balcãs ; e foi cravado de balas o irlandês Sean O’Flarthey que na América seguia o percurso secreto das armas para o IRA.
É como um tributo a essas e tantas outras memórias que tomo este livro, certo de que muito se irá escrever sobre ele e antecipadamente ciente que não poderá ser indiferente a ninguém. Muitos detestá-lo-ão, muitos outros o apreciarão. Mas todos, seguramente, o vão ler.
Joaquim Letria
Setembro de 2003

1 comentário:

  1. Filme "Il Divo", de Sorrentino, Festival de Cannes 2008

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