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20031115

Jornalistas de guerra

Agora que a jornalista Maria João Ruela vem a caminho de Portugal e Carlos Raleiras já foi resgatado, quero aqui mandar-lhes um abraço de solidariedade.
Tenho uma certa admiração pelos repórteres que vão para o campo nos momentos mais perigosos.
Conheci um assim, há um ano, quando estive na Venezuela e cheguei a Caracas no dia em que havia uma marcha popular até ao Conselho Nacional de Eleições, para entregar as assinaturas a pedir um referendo contra o presidente Hugo Chávez.
Aleixo, jornalista português radicado na Venezuela, era o meu contacto. Não o conhecia pessoalmente, mas assim que lhe telefonei para o telemóvel, ele deu-me instruções para me juntar a si na cabeça da marcha. Chegamos a um cruzamento e a polícia impediu a marcha de seguir, pois havia resistentes chavistas mais à frente e não podiam garantir a nossa segurança.
No ar sentia-se o gás lacrimogéneo e Aleixo aconselhou-me a colocar vinagre na cara para evitar os efeitos. E avançava, enquanto que eu, atrás dele, perguntava-me "Mas para quê? Para quê?".
"Da última vez, eles disparam contra nós neste ponto", disse-me Aleixo, pelo que me lembrei dos acontecimentos do 11 de Abril de 2002, onde morreram pessoas naquele tipo de confrontos.
As balas, neste caso, podiam vir de qualquer lado e nós estavamos mais do que expostos no meio da rua.
Havia jornalistas com máscaras de gás. O Aleixo não tinha nada disso e muito menos possuía um colete à prova de bala (eu também não, mas apenas porque ainda não me tinha apercebido da imprudência).
Aleixo tirava fotografias a jornalistas que tiravam fotografias protegidos com coletes à prova de bala e máscaras de gás, enquanto eu tirava fotografias a ele a tirar fotografias...
Até que rebentou uma bomba de gás à minha frente. Saí a correr pela via mais próxima e só parei dentro de um restaurante português, e vi o resto da manifestação pela televisão, enquanto comia uma dobrada à moda do Porto (já não comia uma em Portugal há muito tempo).
Não me considero cobarde, não senhor. Houve um jornalista nesse dia que apanhou com um tiro em cheio no peito. Só não morrer porque levava colete à prova de bala.
Acho que, no que a mim me toca, não vale a pena andar assim exposto, a tirar fotos a quem tem pistolas na mão e que dispara tiros a torto e direito, quando acho que já é igualmente perigoso (e provavelmente até menos (re)conhecido publicamente) andar a investigar quem fornece as armas e as balas que depois alimentam estes e outros conflitos mundiais...

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